quarta-feira, 18 de setembro de 2013

VIDA


- Vai demorar muito, papai?
- Não, nós já estamos chegando.
- Nós já estamos chegando?
- Sim, só mais um pouquinho e a gente chega ta?
- É que eu to cansado.
- Eu sei... O papai também está... A mamãe também... Daqui a pouco a gente chega e aí você poderá descansar. É só mais um pouquinhozinho assim – diz fazendo sinal com a mão.
- Tá bom!
            O cansaço era só um detalhe na vida deles. Uma vida de sofrimento e dificuldades. De luta e superação. Mas que nunca fez com que desanimassem ou maldissessem a vida que levavam, pois, mesmo assim, eram felizes. Mesmo com o pouco que tinham – e tinham muito pouco – não se importavam, eram felizes. Eram felizes e ponto final.
            Nesse dia a felicidade era maior, estavam tão felizes que nada os faziam desanimar. O longo caminho. O calor intenso.
Era um dia especial. Era o primeiro dia do resto da suas vidas. O dia mais feliz de suas vidas.
            No caminho, o pai lembrava-se do caminho longo e tortuoso que percorrera até ali. Lembrava-se das noites de fome e de frio que passaram. A dor, que sentia no coração, quando via seu filho, tomando banho na fonte da praça central da cidade, na maioria das vezes a única fonte de água para o banho. Lembrava das vezes que tiveram que fugir da polícia e dos seguranças da praça. Das vezes em que fora tachado de vagabundo ou bandido sem nunca ter roubado nada de ninguém, sem nunca ter deixado um dia sem trabalhar.
            Não tinham casa, moravam em qualquer lugar. Dormiam na rua, embaixo de viadutos, em casas ou empresas abandonadas.
Na rua foram agredidos, muitas vezes. Humilhados outras tantas. Ninguém os queria lá. Na verdade ninguém os queria em lugar algum. Eram considerados lixo, a escória da cidade. Para muitos suas presenças enfeiavam o lugar, desvaloriza seus investimentos imobiliários.
Ele e sua família eram os vilões da história, sem nunca ser.
Mas, o que fazer, não moravam na rua por opção e sim, por necessidade. Não tinham onde morar. Não tinham escolhas, infelizmente. 
Viviam de migalhas, do resto da sociedade.
De dia, o pai pegava seu carrinho improvisado feito com restos de metal, arame e papelão, e saia pela cidade, juntamente com seu filho de cinco anos, pegando todo e qualquer lixo que pudesse ser reutilizado, latas de alumínio, papelão, vidros, madeira, enquanto sua mulher ia para as feiras da região, onde pegava restos de frutas e verduras que comeriam no jantar.
Viviam a mercê do tempo, muitas vezes, quando chovia, a proteção deles era o carrinho improvisado, que o pai virava de ponta cabeça, se escondendo com a mulher e filho embaixo dele.
Apesar de morarem na rua, o pai, sempre zeloso procurava lugares que assegurasse sua segurança e de sua família - se é que morando na rua, há algum lugar seguro - Nunca ficavam perto de viciados ou de outros moradores de rua, pois, tinha medo que algo de ruim lhes acontecesse. Sua família era tudo o que tinha. Seu bem mais precioso. Afinal não tinha nada, além dela, e sabia que lhes dava muito pouco, mas, o pouco que dava era com muito, muito amor.
Ele amava muito sua mulher e filho. E, com certeza, o amor era recíproco. A mulher cuidava do marido e do filho com muito amor e dedicação. Não se importava com as dificuldades que passavam.
Ela já tivera uma linda casa e uma família grande que a amava. Mas um dia ela resolveu mudar para a cidade grande, queria ser alguém. Mas, nada deu certo, de repente ela perdeu o emprego que tinha, entrou em depressão, logo, perdeu os laços familiares, perdeu sua dignidade, na rua, o encontrou. Ele cuidou dela, protegeu-a dos perigos mais comuns nessa situação: Drogas, bebidas, estupros, dentre outras situações.
Se apaixonaram e se casaram. Na rua mesmo. A cerimônia, ela e ele fizeram-na na frente de uma igreja, quando estava havendo um casamento no local, fizeram das palavras do padre ao casal; suas palavras. Fizeram dos convidados do casal; seus convidados. E fizeram da festa do casal; sua festa.
Foi o dia mais feliz e mágico de suas vidas até então. Do lado de fora da festa, pois, é claro, não podiam entrar, dançaram. Dançaram a noite toda, e quando terminou a festa, entraram no local, e dos restos da festa, fizeram o seu banquete.
Meses depois, ela ficou grávida. Ele cuidou dela. Agora era para sempre. Agora eles estavam ligados para sempre. No dia do nascimento do menino, em um Pronto-Socorro público, juraram nunca mais se separar. Ao pegar o menino envolto em um cobertor simples, abençoaram-no beijando-lhe a face, e prometeram fazê-lo feliz.
A dificuldade da vida na rua eles venciam através das pequenas coisas, das pequenas conquistas; Uma rosa furtada de um jardim para alegrar a amada. Um brinquedo velho encontrado no lixo. Um dinheirinho ganho a mais para comprar um pão com mortadela, ou, melhor ainda, um cachorro quente a ser dividido.
E assim viviam até àquele dia.
Eles caminhavam há horas estavam exaustos. O pior era que somente ele sabia onde iam, era uma surpresa dizia ele, mas a demora estava transformando o clima. Sua mulher e o filho já estavam, além de cansados, irritados, nervosos, pois sequer sabiam o que estava prestes a acontecer.
- Papai – continuou o filho - ainda vai demorar muito? Eu... não agüento mais, os meus pés estão doendo muito.
- Já estamos chegando filho! Já estamos chegando.
- É bom a gente chegar logo que eu também não estou agüentando mais  – disse sua mulher nitidamente irritada .
- Quando chegarmos vocês vão ver que valeu a pena... Só mais um pouco de paciência. Só mais um pouco.
- Você diz isso por que... Deixa pra lá...
Instantes depois pararam. Estavam de frente a um barraco feito de latas de óleo vazias e pedaços madeira, coberto de telhas de amianto.
- Apresento a vocês: A nossa casa! – diz ele todo emocionado e orgulhoso.
A esposa e seu filho ficaram parados, imóveis, não acreditavam no que estavam ouvindo.
Uma casa!
- A partir de hoje vamos morar aqui. Essa é a minha surpresa para vocês. – disse muito emocionado – Então, valeu ou não, toda essa caminhada, todo esse cansaço? Não disse que iria valer a pena. Agora... Temos um endereço. Temos um lugar para morar, para descansar. Temos a nossa tão sonhada casa. Agora posso até ter um emprego com carteira assinada. A partir de hoje não vamos nunca mais...
- É... – interrompe o filho - É a casa mais linda que eu já morei – chorando de emoção – Papai eu posso entrar?
- É claro.
Do lado de fora, ele e ela observam o filho entrar correndo no diminuto quintal. Está feliz, aliás, estão felizes. Nesse momento e ele se acha o homem mais feliz do mundo, pois, tem uma casa, uma casa na favela, simples, um barraco, mas seu. Definitivamente seu.


Marc Souza

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