- É!
- É!
- E aí?
- E aí?
- Primeira vez?
- É!
- É minha primeira vez, também. Eu
já estive em simulados, mas real mesmo, é a primeira vez.
- Eu também já estive em simulados.
- Você já morreu alguma vez?
- Já... – diz cabisbaixo, triste. –
E você?
- Não... Nunca... Em todos os
treinamentos dos quais participei sempre saí ileso, sem um arranhão sequer.
- O último simulado do qual
participei, pisei em uma mina. Falta de atenção. Eu estava muito nervoso, sabe.
- Entendo... E agora?
- Hã!
- Quero dizer, e agora você esta
melhor, mais tranqüilo?
- Sim... Sim... Eu acho.
Uma voz soa nos alto falantes.
- Atenção! Pousaremos dentro de
aproximadamente doze minutos! Apertem os cintos!
- Você já matou alguém?
- Não! Nunca! E você?
- Também, não.
- Olhe. – diz tirando do bolso uma
fotografia – Minha esposa e minha filha. Não são lindas? Minha filha já tem
dois anos, observe o tamanho dela, não é uma gracinha?
- Sim, é uma gracinha, aliás, você
tem uma bela família. Parabéns!
- Obrigado!
- Essa é minha esposa – ele também
mostra uma fotografia – Ela esta grávida de três meses. Estou muito feliz,
parece um sonho. Sabe, nem acredito que vou ser pai.
- É a melhor coisa do mundo,
acredite.
- Queria voltar antes de o meu filho
nascer. Gostaria muito de assistir ao parto. Ficar ao lado da minha esposa. Poder
segurar sua mão e dizer que a amo. Que a amo muito. Sabe, seria a realização de
um sonho.
- É eu sei disso muito bem, sinto
muito a falta delas, sabia.
Silêncio.
- O que você acha?
- De que?
- Dá... Você sabe... Acha que
ganharemos?
- Não!
- Não?????
- Não.
- Por quê?
- Por que, infelizmente, vivemos em
uma situação, onde não há vencedores.
- Mas nós estamos do lado do bem, e
o bem sempre vence.
- Eles, como nós, também acham que
estão do lado do bem.
- Mas?
- Mas?
- Deixa pra lá.
Silêncio.
- Eu não tinha pensado nisso.
- No que?
- Que eles são como nós. Que só
estão em lados opostos... Meu Deus... E agora? Eu não posso fazer isso... Não
posso.
- Não pode o quê?
- Não posso matar inocentes. Eu...
Eu não posso matar um trabalhador.
- São soldados... Como nós.
- Eu sei... Suas famílias dependem
deles como a nossa depende de nós.
- Você tem razão, mas, infelizmente,
estamos em uma guerra... Você sabe... E como nós, não foram eles, que idealizaram
essa guerra, mas darão suas vidas por ela.
- Meu Deus!!!
- Como nós, eles receberão medalhas
de bravura, in memorian, pois, muitos não voltarão mais para suas casas, para
suas famílias, pois, perecerão, morrerão.
- E seus filhos? Suas mulheres? Suas
mães?
- Chorarão, sofrerão como nossas
esposas, nossos filhos e mães. O estado lhes dará uma pensão, reconhecimento
pela bravura de seus parentes mortos em combate. Grandes
soldados, dirão. Grandes soldados que morreram em combate, defendendo o nome da
justiça, o nome de Deus.
- Mas Deus não criou esta guerra.
- Mas o homem, sim. E usa o nome de
Deus em vão... Somos
soldados, amigo e temos a obrigação de lutar para defender o nosso país, como
eles, os soldados que hoje são nossos inimigos.
- Mesmo que os nossos governantes
sejam corruptos, egoístas, gananciosos. Mesmo que essa guerra seja feita em
proveito dos mesmos.
- Sim, temos que lutar, mesmo que os
únicos beneficiados sejam eles próprios.
Silêncio.
- É injusto...
- Não há justiça na guerra. Dentro
de alguns minutos, nos tornaremos assassinos. Vamos usar tudo que aprendemos
nas simulações, só que agora, é tudo verdade, as armas, as bombas e as pessoas.
- (...)
- Daqui a pouco, seremos
responsáveis por massacres, estupros, destruição...
- (...)
- Tudo pela nossa pátria, pelo nosso
país. Faremos uma guerra, em busca de paz. E quando esta paz chegar, os
sobreviventes, muito deles, desejarão terem morrido em combate, para não
carregarem na memória as cenas dessa guerra estúpida... Voltarão para suas
famílias, mas, nunca mais se sentirão em paz, pois, as cicatrizes da guerra
ficarão para sempre, guardadas em seus corações.
- É!
- É!
- Atenção! Dois minutos para o
pouso.
- Sabe, queria ver minha filha
crescer.
- O que você acha que minha esposa
terá? Menino ou menina?
- Não sei.
- Eu queria que fosse um menino.
Doutor. Pensando melhor ele pode ser o que quiser. Se for menina também ficarei
muito feliz. Sabe na verdade, tem que vim com saúde, o sexo, Deus escolhe, ele
sim sabe o que faz, não é verdade?
- É!
- Tenho medo... Talvez eu nunca
chegue a conhecê-lo...
- Deixe disso.
- O que será de meu filho, sem o
pai? Se ele ficar revoltado, por não ter me conhecido? Se ele virar bandido? Se
for menina, e se ela virar uma prostituta, drogada? Tudo por que foi criada sem
o pai, que morreu numa guerra estúpida, criada por um governo estúpido, que só
quer saber de dominar tudo e a todos. Se eu morrer, o que será de minha esposa?
Heim? O que será dela?
- Iniciando aterrissagem.
Instantes.
- É, amigo, quem se importa conosco?
- Você tem razão, quem se importa?
- Alguém se beneficiará com tudo
isso, e não seremos nós, nós só temos o que perder, e quer saber, perderemos,
mesmo se sobrevivermos... Mesmo se sobrevivermos.
- Foi um prazer conhece-lo...
Amigo...
- Que Deus esteja conosco!
- Amém!!!
IMAGINE A ANGUSTIA DESTES SOLDADOS, QUE DEIXAM SUAS FAMÍLIAS PARA LUTAR POR ALGO QUE NA VERDADE SEQUER ACREDITAM, LUTAM POR CAUSA DA GANANCIA DE ALGUNS QUE NÃO ESTÃO NEM AI PARA SEU POVO OU SEU SOLDADOS. ÓTIMO TEXTO.
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