sábado, 28 de setembro de 2013

CONTO DE UM AMOR SEM LIMITES


            Faltavam poucas horas para tudo, definitivamente, acabar. Poucas horas, então, tudo aquilo se transformaria em lembranças. Boas. Ruins. Mas, somente, lembranças.
De repente, tudo desapareceria. Para sempre. Todo sempre. As ruas. As casas. As praças. Tudo seria engolido pelas águas. Logo, a cidade transformar-se-ia em história. Submersa. Solitária no fundo de uma imensidão sem fim de água.
O progresso é cruel. Não há sentimentos, portanto, não há compaixão. O país precisa de energia elétrica. Precisa crescer. A usina hidrelétrica estava pronta. Em poucas horas as comportas se fechariam. E tudo o que ali estava, desapareceria por completo. Desapareceria para sempre. Tudo se transformaria em um mar de água doce. Um grande mar de água doce que traria conforto e progresso, para milhares, milhões de pessoas.
Por isso, a cidade estava fazia. Totalmente deserta. Só restavam lembranças. Histórias passadas. Vividas. Fantasmas de um povo, que viveu por centenas de anos, e, que foi obrigado a abandonar as suas casas. Seus lares. Suas vidas. Suas histórias.
No silêncio da cidade morta. Um barulho. Um barulho?
Dona Menina esta sentada em sua cadeira de balanço, na varanda de sua casa. O barulho é do balanço, que, incansável, vai de um lado para o outro. De um lado para o outro. De um lado para outro.
O tempo passa. Esgota-se. E dona menina a balançar. Alheia a tudo, dona Menina vai de um lado para outro, de um lado para outro.
Mas, há um problema, dona menina não esta alheia a tudo. Pelo contrário, dona menina esta muito ciente de tudo. Sabe que o tempo é curto. Sabe que em horas, tudo não passará de história. Lembranças do que um dia foi. Mas, mesmo assim, esta lá, sentada em sua cadeira de balanço indo e voltando, indo e voltando, a balançar. A esperar. Ela não espera a morte. Apesar da morte ser um ser iminente, ela, não a espera. Ela espera algo mais importante. Algo que esperou por sua vida inteira. E não arredará o pé, antes, que este chegue.
Vizinhos. Amigos. Os poucos familiares que lhe restaram. Até o prefeito veio até dona Menina a fim de persuadi-la a sair dali. Mas, em vão. Então, sendo mulher feita, consciente e sabedora dos infortúnios que aguardam-na, foi abandonada à própria sorte, ou, a sua própria vontade. Afinal só ela pode se salvar.
Aos 75 anos, dona Menina passara a sua vida inteira, ali, sentada na varanda a esperar. A olhar para o horizonte perdido. Em sua cadeira de balanço de um lado para outro, de um lado para outro.
Olhando o horizonte, relembra os bons e maus momentos que vivera. Lembra-se do amor de sua vida. Aquele a quem ela se entregou, de corpo, alma e coração. Aquele a quem amou todos os dias da sua vida. Aquele, que, por covardia, perdeu.
Olhando para o horizonte sem fim, espera. Espera a chegada daquele que foi o fruto do seu amor. Resultado de um amor que nem o tempo conseguiu apagar.
Dona Menina era jovem e bela, a mais bela da cidade. Naquela época era a única mulher na cidade com formação superior, fruto de vários anos na capital do estado. Bom partido, o melhor da cidade, vivia sendo cortejada pelos homens. Homens ricos, influentes. Homens considerados de bem.
Mas, dona Menina, não podia mandar no coração, aliás, ninguém consegue fazê-lo, por isso, apesar de inúmeros pretendentes, Menina apaixonou-se por um homem de fora da cidade. Um forasteiro como diziam, os moradores.
Foi amor à primeira vista.
De repente, estava apaixonada.
Estavam apaixonados. Perdidamente apaixonados.
A guerra começou. Todos eram contra o namoro de Menina, que brigou, lutou, fez chover, mas, não conseguiu demovê-los, não conseguiu a aprovação da família quanto ao seu namoro e as reais intenções de seu namorado.
“É um vagabundo!” – dizia o pai – “Uma pessoa sem eira nem beira.”
“Ele só quer brincar com você, Menina.” – completava a mãe – “Será que só você não vê?” “Será que você não percebe isso?”.
Mas, Menina não queria nem saber o que os pais diziam, por isso começou a encontrá-lo às escondidas, na calada da noite. Com a desculpa de ir à reza na casa de uma ou de outra amiga, saía e se encontrava com seu grande amor. Perdidamente apaixonada, entregou-se a ele, no dia, a que considerava o dia mais feliz da sua vida. O dia ao qual nunca se esqueceu. Mesmo com o passar dos anos. Os muitos anos, sem que nunca, por um dia sequer, se esquecesse daquele dia.
Um dia, a noticia, ele iria embora. Teria que ir embora. Por causa do seu envolvimento com Menina, ele fora despedido do emprego, e, ninguém, ninguém na cidade tinha coragem de lhe contratar, ou melhor, ousava contratá-lo, pois, todos tinham medo do pai dela.
Naquele dia ele estava triste, arrasado. Definitivamente acabado. Sem dinheiro e sem posses teria que ir embora. Deixar a cidade em busca da sua sobrevivência.
Pediu, para que Menina fosse embora com ele. Disse que a amava e queria casar-se. Menina pensou, pensou, mas não foi. Não teve coragem de abandonar sua vida, sua família. Amava aquele homem, era verdade. Amava-o mais do que qualquer pessoa pudesse imaginar. Mais do que a própria vida. Menina não conseguiu desafiar o pai. Não tinha forças para isso. Na verdade, não fora criada para isso.
Chorando, Menina viu-o partir. Para sempre. Viu seu amor, sua felicidade escapar pelos dedos das mãos como areia fina. Viu-o partir, para nunca mais voltar.
Aquilo foi demais para Menina, que passou duas, três semanas sem ao menos sair do quarto. Não conversava com ninguém. Não ouvia ninguém. E comia pouco, muito pouco. Comia o suficiente para manter-se viva.
De repente percebeu que algo estranho estava acontecendo com ela. Sentia fraqueza. Enjôos. De repente percebeu estar grávida. A princípio ficou feliz. Depois, desesperada. Grávida. Sem um marido. Aquilo seria seu fim. Uma vergonha, para si, e, principalmente para a sua família.
Devia ter ido embora, mas, não fora, agora, teria que enfrentar aquela situação de frente.
A noticia da gravidez caiu como uma bomba na família. Menina foi ofendida, humilhada pelos pais. Se perder a virgindade antes do casamento já era motivo de vergonha na família naquela época, imagina uma gravidez.
Dias depois, Menina e sua mãe deixaram a cidade com destino à capital. Para que Menina estudasse, disseram. Meses depois, ela deu a luz a um menino. “A cara do pai” – pensou – ao receber o filho pela primeira vez em seus braços. Nesse momento, chorou de alegria. Chorou, também, por lembrar-se dos momentos maravilhosos que vivera com o pai dele.
Após o nascimento da criança, Menina e a mãe viveram por um tempo na capital. Tinham uma vida boa, mas, silenciosa, Menina vivia quase o tempo todo em silêncio. Quase não conversava com a mãe ou com qualquer outra pessoa que viessem visitá-las. Vivia para o filho: Banhava-o, amamentava-o, dedicava-se completamente a ele. Que era a sua alegria. A única alegria que tivera, naquela infeliz vida.
Em uma manhã, sua mãe, pediu para ela arrumasse as malas, pois, voltariam para casa. Menina arrumou tudo e pôs-se a esperar, brincando com o filho que insistia a sorrir-lhe o tempo todo.
Horas antes de partir, uma tia chegou à casa. Friamente sua mãe pediu-lhe para a filha dar o menino à tia. A partir daquele momento ela seria a mãe do filho de Menina.
Aquilo deixou Menina desesperada. Ela chorou. Pediu. Implorou. Ameaçou fugir. Mas, não demoveu a mãe da decisão.
Sem qualquer ressentimento a tia pegou o filho dos braços de Menina e se foi.  A criança chorava desesperadamente, mas, nada fez com que desistissem de toda a maldade para com Menina e seu filho.
Ao ver o filho partir, Menina ainda correu atrás do carro onde estavam a tia e o filho. A tia parou o carro e por um minuto Menina olhou a criança chorando, que, ao sentir um leve toque das mãos de sua mãe no rosto, parou de chorar. Menina sabia que aquele seria a ultima vez que veria seu filho, então fez um pedido a tia; Pediu para que ela falasse ao seu filho sobre ela. Que dissesse a ele que ela o amava, e que ele nunca fora abandonado. Pediu a tia para que um dia ela o deixasse conhecê-la. Vendo o desespero da sobrinha ela aceitou. Fez-lhe uma promessa. E se foi.
Desde então Dona Menina vive ali, sentada a esperar. A esperar pelo filho que nunca veio. Não até aquele momento, mas ela sabia que um dia ele viria. Viria vê-la. Então abraçá-lo-ia. Beijá-lo-ia. Far-lhe-ia inúmeras declarações de amor.
Esperando pelo filho, Menina foi vivendo ali, dia após dia, todos os dias de sua vida.
Acompanhou a morte dos pais. Dos irmãos mais velhos. E esperou.
Sempre olhando o horizonte e a balançar. Vai e vem. Vem e vai. Sempre olhando o horizonte e a esperar. Esperar, pelo filho amado. Único fruto de um grande e verdadeiro amor. Único fruto, do seu amor.
E mesmo com a iminência da morte, não conseguia sair dali.
“E se ele viesse logo hoje – pensava – E não me encontrasse?” “Poderia achar que eu não o amo”. “Poderia pensar que eu realmente o abandonei”.
Nada passava na sua cabeça, além da volta do filho para os seus braços. Aquela criatura frágil, pequena, tão indefesa. Que agora, imaginava, seria um homenzarrão. Lindo, forte, cheio de saúde. Com uma família linda. Filhos. Netos. Logo ele estaria ali, no seu portão. Então, este, seria o dia mais feliz da sua vida. Mais feliz. Por isso, não podia sair dali, prometera que estaria a sua espera. Prometera. E promessa é dívida.
Não quebraria uma promessa. Principalmente a promessa feita ao seu filho tão amado.
De repente, no meio daquele silêncio todo, um barulho ensurdecedor. Depois, outro. E mais outro. O fim se aproximara. O fim da cidade. Da história. Dos sonhos. O fim de Dona Menina estava chegando.
Então, uma criança chega ao seu portão. Ela olha e sorri. Um sorriso lindo. Cheio de vida. O menino abre o portão e corre para os braços de Menina, que o abraça e o beija amavelmente.
- Eu sabia que você viria...  – diz ela aos prantos – Eu sabia.
Outro barulho, então, o fim! A água toma conta de tudo, sem dó, nem piedade. Em segundos, tudo se esvai para sempre, submerso na imensidão azul de água doce.
   
 Marc Souza

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