Havia uma comunidade muito carente, chamada Cantagalo. Neste local, tudo
era muito precário. As ruas não eram pavimentadas, não havia tratamento de
esgoto, água encanada, tampouco, iluminação pública. Na verdade, os moradores
sequer tinham documentos de propriedade dos seus imóveis, tendo em vista que
esta comunidade fora resultado de uma invasão de terras realizada após seus
moradores serem despejados de uma favela que deu lugar a um shopping.
Nela havia um morador que todos o chamavam
de seu Mane, um senhor de meia idade, muito trabalhador e honesto, que, nas
horas vagas, lutava para melhorar a vida de todos os moradores da comunidade. Tapava
os buracos causados pelas chuvas, ajudava a construir barracos para os novos
moradores, conseguia cestas básicas aos mais necessitados, organizava mutirões
de limpeza para manter a comunidade limpa. Além de tudo isso, ele ainda vivia
levando os moradores doentes ao Pronto Socorro. Enfim, seu Mane era como
diziam: “Pau para toda obra”.
Por ajudar muito a comunidade ele
era muito admirado e respeitado, era considerado o “pai” de todos. Todos os
moradores lhe amavam. Pois sabiam que, quando precisassem podiam contar com
ele.
Um dia, alguns moradores vieram à
sua porta e fizeram-lhe uma proposta.
- Nem pensar. – respondeu – Não
gosto e não quero me envolver com política. Sinto muito. Eu sei que Cantagalo
precisa, e muito, de um representante, mas, eu não posso ser, sinto muito
amigos, sinto muito mesmo, mas, dessa vez, não poderei ajudá-los.
- Pense bem, seu Mane, precisamos de
uma pessoa para nos representar, precisamos de alguém para legalizar a nossa
situação aqui e só o senhor é capaz disso.
- O Senhor sabe muito bem, das
nossas necessidades, vamos lá, nos ajude se candidate. Todos nós precisamos, e
muito, do Senhor. – disse outro morador.
- Não dá... – respondeu.
- Claro que dá. – disse outro
morador – O Senhor tem os votos de todos os moradores da comunidade. Sem contar
que é a pessoa mais preparada para nos representar.
- Isso mesmo – disse outro – Por
favor, o senhor não pode nos deixar na mão. Não agora que podemos transformar
este lugar. Por favor, seu Mane.
Mane não teve como dizer não, por
isso, se candidatou e foi eleito.
Após assumir sua vaga na prefeitura,
Mane pôs-se a trabalhar pela comunidade, transformando-a. Luz elétrica, água
encanada, pavimentação, a comunidade transformou-se em um lugar melhor e seu
Mane foi o responsável por toda essa transformação. Mané começou a ser
reconhecido em toda a cidade. Aos poucos sua popularidade foi aumentando, apareceu
em várias redes de televisão e rádios, sempre levando consigo o nome da
comunidade. Com o aumento de sua popularidade aumentou também sua influência. Em
pouco tempo Seu Mane transformou-se em rei. Tudo passava por seu crivo. Na
comunidade tudo tinha que ser autorizado por ele. Sua palavra era ordem,
ninguém ousava contrariá-lo. Mas, não era preciso, suas intenções sempre foram
as melhores. Mane sempre pensava na comunidade. Sempre pensava em seus
“filhos”.
Como boa pessoa que era seu Mané,
não só ajudou a sua comunidade, mas todas as comunidades carentes próximas. Na
sua segunda eleição foi recordista em votos. No entanto logo depois de reeleito,
suas atitudes começaram a mudar. Sua presença na comunidade foi diminuindo, diminuindo.
Até que ele desapareceu. Sumiu. Com o desaparecimento de Mane, os projetos
sociais também foram desaparecendo, escasseando.
Preocupados com a situação, os
moradores foram inúmeras vezes à câmara de vereadores a fim de falar com ele,
mas, em vão. Nunca foram atendidos. Seu Mane, sempre estava em alguma reunião
interminável.
Candidato a deputado, ganhou a
eleição. Nesta época não morava mais em Cantagalo, a comunidade, também, já não
foi a responsável pela sua eleição. Agora, seu Mané, morava em um bairro nobre
da cidade, andava de carro importado, seus filhos, estudavam em escolas
particulares, ele, não tinha mais nenhuma ligação com o povo que o elegeu. Continuava
sendo o Seu Mane, mas, não da comunidade que o elegeu, e sim do partido que o
elegeu. Mudou-se para Brasília, para ficar mais próximo do trabalho. Enriqueceu.
Comprou fazendas e jatos. Nunca mais voltou para a periferia de onde saiu.
Anos depois, foi acusado de desviar o
dinheiro que iria para a merenda escolar de um estado, mas, foi absolvido, por
falta de provas. Foi reeleito, reeleito....
E, novamente acusado de desvio de verbas. Como na vez anterior, foi absolvido
pelos seus.
Na comunidade em que vivia, os mais
velhos, dizem que ele foi obrigado a abandonar o local, e que, por ingenuidade
esta sendo usado por pessoas mais espertas, que tiram proveito dele.
Mas a maioria, diz que ele na
verdade, não passa de mais um filho da p... .
Marc Souza
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