O tiroteio começou no final da
tarde. Enquanto os policiais subiam o morro eram recebidos à bala pelos
traficantes. Não era a primeira vez que ela presenciava um tiroteio, afinal
onde morava era uma constante. Quase todos os dias traficantes e policiais
guerreavam entre si. Quando não, eram contra os traficantes rivais.
O problema era que, neste dia, ela
sentia que algo ruim estava prestes a acontecer. Algo a deixava incomodada.
Diferentemente das situações anteriores, neste dia estava com medo. Muito medo.
Balas batiam contra a parede de sua casa. Aliás, sua casa, estava totalmente
danificada, cheia de marcas de bala.
Entre as vielas o caos. Gritos.
Palavrões. Tensão. Horror. Terror. Pessoas passam correndo de um lado para o
outro, desesperadas.
Tiros. Tiros. De repente ela sente
algo. Uma dor quase que insuportável. Ao olhar no local da dor, vê uma marca de
sangue, que, aos poucos vai aumentando. Então, o que fazer.
Ela sai de casa e correndo no meio
do caos procura por ajuda. No entanto não encontra. As pessoas correm de um
lado para o outro e ignora sua presença. Os policiais também passam por ela,
mas, também não a percebem. Com dificuldades vai descendo lentamente o morro.
Desce por entre as vielas estreitas, sujas. Tomadas pela confusão de pessoas
que correm desesperadas. A dor é constante. Desesperada chora. Esta
amedrontada. Angustiada. Teme não só por sua vida, mas, principalmente pela
vida do filho que espera.
Está grávida de oito meses. Esta
prestes a morrer. Prestes a perder seu filho. Tão aguardado. Tão amado. Por
entre as vielas escuras ela se esgueira, se esconde, se proteja das balas que
cortam o ar. Rasteja esperando por uma ajuda que não vem.
Ela não consegue mais. Está sem
forças. Parece que tudo vai acabar. Olha
no ferimento e vê o sangue que jorra, lentamente, levando sua vida. Cansada,
sem forças, senta-se no chão. Quer desistir. Não agüenta mais. Para manter os
olhos abertos faz uma força descomunal, é quando sente que sua vida esta se
acabando. Se esvaecendo. Delirando vê uma criança brincando, correndo no
quintal da casa. Ela a abraça e a beija. Ternamente. Com muito amor. É seu
filho, seu tão aguardado e amado filho. Sozinha naquele lugar esperando a morte
chegar, chora. Chora por tudo que aconteceu em sua vida. Toda a sua sorte. Toda
a sua vida. Seus infortúnios. Suas alegrias.
É quando uma mulher aparece ao seu lado segura sua mão e a aperta
fortemente. Ela tenta olhá-la, mas não tem mais forças. Acredita que chegou a
hora e que o anjo da morte veio buscá-la. Mas, ao invés da fraqueza inicial e
começa a sentir suas forças voltarem. De repente é acometida por uma força
sobrenatural. Anima-se e se fortalece. Vê os olhos do filho que ainda não
nasceu brilharem à sua frente. Aquele ser cheio de vida, que ela tem que
salvar. Buscando todas forças restantes e com a ajuda da mulher ela se levanta.
E põe-se a descer o morro.
Com a ajuda da mulher vão até o
asfalto. O cenário é irreal. Pessoas correm. Sobem e descem o morro. Pessoas
comuns, policiais. Todos estão nervosos. Preocupados. Ao chegar próxima a uma
ambulância ela desmaia.
Quando acorda ela esta na ambulância
a caminho do hospital.
- Meu filho, como ele está? –
pergunta ela – Ele vai ficar bem? E... Eu como estou...
- Aparentemente, tudo bem.
Estancamos a hemorragia causada pelo ferimento. A medicamos. Agora você esta
sendo encaminhada ao Pronto Socorro onde terá o atendimento médico necessário.
Procure ficar bem. Tranqüila.
- Obrigada. Obrigada por tudo.
- Agora, menina, eu gostaria de te perguntar algo?
- ...
- Como você conseguiu chegar até o pé do morro. Menina do jeito que você
estava só um milagre para conseguir isso. Não sei como você não perdeu mais
sangue e morreu esgotada. Principalmente após ter se esforçado tanto.
- Foi a mulher. A mulher que me
ajudou. Eu estava fraca, sem forças. Ela tocou em mim, e... Desculpe mas eu não
sei explicar. Em um momento eu estava morrendo, e no outro...
- Mulher? Que mulher?
- Aquela que me trouxe até aqui. Se
não fosse ela, eu não conseguiria.
- Moça, desculpe, mas não havia
mulher nenhuma com você quando você chegou. Você chegou sozinha. Fraca,
cambaleante. Desmaiou na nossa frente.
- Ela estava ao meu lado o tempo
todo. Me deu forças. Segurou a minha mão. Se não fosse ela eu... Eu...
Esta fraca. Sonolenta. Não consegue
manter os olhos abertos. Então no ultimo instante antes de fechar os olhos e
cair em um sono profundo, ela sente uma mão apertando a sua e vê, ao lado da
enfermeira uma mulher que sorri para ela. Um sorriso de amor. Então ela entende tudo o que lhe aconteceu
naquele dia. E tem a certeza de que sua vida mudou. Para sempre.
Marc Souza
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