Ele
subiu na marquise da ponte, olhou para baixo, respirou bem fundo e se preparou
para pular. Preparou-se para o ultimo passo que daria em toda a sua vida,
talvez, o mais importante, pois, após esse passo, nada mais poderia ser mudado.
Era seu ultimo e definitivo ato. A não ser que desistisse. No entanto,
desistir, não fazia parte de seus planos.
A altura não era grande, mas, o
suficiente para seus planos. Olhou para baixo e não sentiu medo. Logo ele que
tinha pavor de altura, agora estava a quase trinta metros do solo e não sentia
nada. Nem um frio na espinha. Nem o aumento dos batimentos cardíacos. Nada.
Estava indiferente. Aceitou aquilo como se fosse um sinal. Um sinal de que
estava no caminho certo. Um sinal de que tomara a decisão correta.
“É agora, ou nunca” pensou.
Então, aos poucos foi inclinando seu
corpo para o vazio à sua frente. Em instantes tudo estaria acabado e, o vazio
que sentia dentro de si, tal e qual ao que ele estava se preparando a se lançar
acabaria. Desapareceria para sempre.
Há dias havia decidido acabar com
sua vida. Passou horas e horas estudando a melhor forma de levar a cabo o que
se propusera. Horas e horas se preparando para seus últimos momentos. Para os
momentos finais da sua vida. Da sua existência. E, por incrível que parecesse
não tinha medo algum. Na verdade, sentia-se tranqüilo. Sentia-se feliz.
Não queria ganhar notoriedade,
tampouco, chamar a atenção de quem quer que fosse. O que ele definitivamente queria,
era acabar com os sentimentos controversos que aos poucos, matavam-no. Acabar
com a angústia constante que lhe consumia. Com sentimento de impotência, diante
de certas circunstancias que a vida havia lhe imposto. Ele queria acabar de vez
com a solidão. Uma vida de um presente sem futuro, sem pesperctivas de melhora.
Uma vida, sem vida. Sem sonhos. Sem pretensões. Por isso, não havia
sentimentos, arrependimentos. Não havia nada.
A alta madrugada deixou-o solitário.
Não havia ninguém para fazer com que ele recuasse. Para impedir seu ato, que
agora, seria o ultimo. Estava só. Como vivera a vida toda. Estava só, consigo
mesmo, tendo como companhia sua própria sombra. Os sons da noite, que, fariam a
derradeira trilha sonora. Estava a sós com a vida. A sós com a morte.
Soltou uma das mãos e esperou alguns
segundos. Sentiu a brisa leve da noite tocar-lhe o rosto. Acariciar-lhe
levemente. Pronta para embalar-lhe até o fim iminente. O fim que tanto
esperara.
Então ao soltar a outra mão, sentiu
que algo o segurava. Assustou-se o susto fez com que retornasse a segurar a marquise
com as duas mãos. Evitando, assim a preeminente queda.
“O que está acontecendo”.
“Não havia ninguém aqui”.
“Como...”
A princípio evitou olhar para trás.
Procurava colocar as idéias em ordem. Procurava ordenar seus sentimentos. O
medo apareceu. A coragem dissipou-se completamente. Sentiu um tremor tomar
conta de si. As pernas bambeavam. A respiração ficou ofegante. De repente,
estava paralisado. Não ia para frente nem para trás. Não conseguia sequer
pensar. Não conseguia se jogar, acabar de vez com todo o sofrimento. Acabar de
vez com a sua vida.
- Meu filho! – era uma voz doce e
calma de mulher – O que você esta prestes a fazer?
- Eu... Eu... Deixa prá lá.
Aquela situação deixou-o totalmente
indefeso. Envergonhado, não consegue olhar para trás. Não consegue olhar nos
olhos da pessoa, que pelo menos por enquanto evitara seu melancólico fim. Não
sabia o que fazer, afinal não queria que ninguém testemunhasse o que pretendia
fazer. Tinha escolhido o local e o horário para que isso ocorresse. Não queria
testemunhas da sua covardia. Não queria que ninguém testemunhasse sua falta de
amor próprio. Sua falta de amor á vida. Sua falta de fé.
Olhou para baixo e ameaçou pular,
mas, não conseguiu. A coragem de instantes havia desaparecido por completo.
Agora, por mais que quisesse, não conseguiria ir até o fim. Seus planos haviam
ido por água abaixo.
- Não precisa ficar envergonhado. Eu
sei muito bem o que você estava prestes a fazer. E compreendo. Agora saia daí,
antes que você caia. E não é isso que você quer agora, não é verdade?
“Droga”. “Claro que é”. “Se não
fosse por você eu já teria partido dessa para a melhor”. “Ou pior, vai saber”.
Estas palavras ficaram somente em seus pensamentos, não tinha coragem de
dizê-las.
- Desculpe... Olha, não é o que a
senhora esta pensando. Eu estou aqui para observar melhor a cidade – disse
timidamente – A vista daqui, é simplesmente, maravilhosa. Linda! Você
precisa... Ah, deixa prá lá.
- Não tenho dúvidas de que a vista
da cidade deste lugar é maravilhosa, mas, prefiro observá-la daqui. É mais
seguro. Experimente olhar daqui. Vamos! Saia daí. Antes que eu...
Antes de ela terminar a frase, ele
já estava ao seu lado. De uma hora para outra se sentiu amado. Sentiu-se bem.
De repente sentiu uma vontade tremenda de viver. De ser feliz. Não sabia
explicar o que estava sentindo. Só sabia que nunca havia se sentindo tão bem em
toda sua vida.
- Muito obrigado. – disse ele
olhando nos olhos da mulher. Olhos que lhe transmitiam a mais pura
tranqüilidade. O mais puro amor. – Muito obrigado mesmo.
- Por quê? Você só estava...
- Você sabe muito bem o que eu iria
fazer. – disse envergonhado – Eu ia...
- Não precisa dizer nada –
interrompe ela – Já passou... Já passou... Não é verdade? Como dizem, águas
passadas...
- É, águas passadas... Desculpe meu
mau jeito, é que estou... Você sabe...
- Não se preocupe. Acabou.
Simplesmente acabou.
- Posso te abraçar?
- Claro! Por que não?
Eles se abraçam. E choram.
O amor está presente ali, naquele
momento. O amor puro. O amor que salva. O amor que cura. Que cura todas as
feridas. Até as feridas de morte.
- Você sabe que me salvou, né?
- Não! Você que se salvou. Você
salvou a si mesmo. Sua coragem o salvou. Você não é um covarde. Nunca se
esqueça disso. Você não é um covarde. Um incapaz. Um inútil. Todos nós temos
medos. Todos somos inseguros, afinal, nunca sabemos o que nos espera. Mas,
pense bem, se soubéssemos perderia a graça, não é verdade? Filho, tenha fé.
Viva um dia após o outro. O amanhã a Deus pertence. É claro que o amanhã será o
reflexo do hoje, do ontem, mas, sempre há tempo para mudarmos e
conseqüentemente, mudarmos o nosso amanhã. O nosso futuro. Nós não somos uma
ilha. Apesar de muitas vezes acharmos que somos. Nunca se esqueça disso.
A cada palavra dita, ele se emocionava
mais, absorvia cada palavra e buscava os melhores sentimentos dentro de si.
Agora esta a salvo. Não teria mais medo. Não tinha mais medo. De repente todos
os maus sentimentos se dissiparam e ao sentir o amor que aquela desconhecida
tinha por ele, sentiu-se feliz. Sentiu a pessoa mais amada do mundo. Sentiu que
a partir daquele momento, também, estava pronto para amar. Amar as pessoas.
Amar seus semelhantes. Amar, principalmente a sua vida.
- Pode ter certeza, nunca me
esquecerei... Nunca... Como, também, nunca me esquecerei de você... Meu anjo...
Abraçaram-se mais uma vez. Então ela
se despediu dele.
- Agora, tenho de ir. Já é tarde.
- É. Muito tarde! Eu também tenho...
- Cuide-se!
- Vou me cuidar.
Ela olha dentro dos seus olhos.
- Nunca deixe de acreditar! Nunca!
Ela virou-se e pôs-se a andar,
devagar, tranquilamente, entre as sombras da noite. Não hesitava. Não
demonstrava medo ou insegurança de estar ali àquela hora. Sozinha.
- Meu nome é André – gritou ele.
- Eu sei!
- E o seu?
- Maria – respondeu ela,
desaparecendo na escuridão da noite.
Olhando para a escuridão à sua
frente, ele sentou-se no chão e desabafou. Chorou diante do milagre que acabara
de presenciar. Diante do milagre que acabara de acontecer na sua vida.
Marc Souza
Lindo conto... Maravilhoso
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