O ônibus está estupidamente lotado. Maria, a contragosto, entra, não
gosta de andar de ônibus a essa hora do dia. No entanto é preciso, pois, sua
filha a espera, e o assunto a tratarem é muito, muito importante, e não pode
esperar.
O transporte público é um caos, a superlotação, as más condições dos
veículos o horário irregular, além de outras mazelas, deixa todos os usuários
irritadiços. Maria, como não poderia deixar de ser, esta tremendamente
irritada, se já não bastasse a cada parada do ônibus, subir mais passageiros do
que os que desceram, ela ainda, tem que aturar alguns homens se esfregando nela
de forma maliciosa, pois, sem lugar para sentar ela tem que viajar de pé.
A cada parada Maria fecha os olhos para não ver a quantidade de pessoas
que sobem no ônibus. Ela, aos poucos, vai entrando em desespero. Na ultima
parada Maria observa que, dois rapazes negros, acabaram de entrar.
Ao perceber a entrada dos rapazes, Maria, sente um frio na espinha. De
repente é tomada por uma grande sensação de insegurança e por um medo quase que
incontrolável. Instintivamente protege sua bolsa, segurando-a fortemente junto
a seu corpo.
O ônibus volta a andar, mas, Maria, fica incomodada com a presença dos
novos passageiros e não tira os olhos deles, nem por um segundo. O medo
aumenta, uma angustia incontrolável começa a tomar conta do seu coração. Baixinho
ela começa a rezar. Em sua mente, várias situações começam a ganhar vida e, em
todas, os novos passageiros são parte atuante.
“E se eles me pegarem de refém” - pensa.
“Meu
Deus, e se eu for assassinada por um deles em um momento de nervosismo.”
“Não que eu seja racista, mas, olha a cara deles, parecem que estão
esperando o momento certo para darem o bote e nos roubarem. Minha bolsa, tenho
que proteger a minha bolsa”.
“Olha a cara deles, olha a cara de maldade que eles tem”.
“E agora, o que fazer?”
“Quantas pessoas saem de casa, pegam um ônibus e não conseguem chegar ao
seu destino? Quantas?”
Maria não consegue tirar os olhos dos dois rapazes, tampouco, afastar os
maus pensamentos.
Os pontos de ônibus vão passando, passando. O numero de passageiros aos
poucos vão diminuindo e nada de os rapazes descerem.
Maria entra em desespero.
“Será que eu tenho razão?”
“Será que eles vão aprontar algo conosco?”
“Eles devem estar esperando aumentar o dinheiro no caixa do cobrador.”
Falta, ainda, duas paradas para Maria chegar ao seu destino, mas, não
agüenta a pressão que sua mente esta fazendo contra si, angustiada, quando o
ônibus para, ela empurra as pessoas que estão no corredor e, como uma louca,
desce correndo, sob o olhar atônito dos passageiros.
Fora do ônibus aos poucos Maria vai recobrando a razão, aos poucos vai
se acalmando.
“Estou salva agora”.
Sua respiração volta ao normal. A angustia desaparece.
“Desci um pouco longe, mas, não há nada que uma boa caminhada não
resolva, dentro de alguns minutos chegarei à casa de Helena.”
“Graças a Deus desci antes que aqueles negrinhos fizessem o serviço”.
“Tolos, idiotas, acharam que iam me pegar.”
“Se ferraram”.
Maria caminha tranquilamente pela rua, sente-se muito segura.
De repente ela sente em suas costas um objeto que, pontiagudo, a
machuca, antes de pensar no que está acontecendo uma voz lhe diz de maneira
firme:
- Por favor, a senhora poderia me passar sua bolsa?
- O quê?
- A bolsa minha senhora, a senhora quer que eu grite para todo mundo
ouvir que isto é um assalto?
“Filhos de uma mãe”.
“Só pode ser vingança, daqueles negrinhos”.
“Só porque eu descobri o plano deles, eles estão aqui para se vingar”.
“Queriam roubar o ônibus, mas, como não deu certo, eles me seguem e me
roubam”.
“Safados”.
- Olhe aqui dona, vamos passar logo essa porra dessa bolsa, antes que eu
perca a paciência e te fure, sua vaca.
- Toma – diz Maria entregando a bolsa, sem olhar para traz.
- Valeu dona! Um bom dia para a senhora, ta ligada.
De posse da bolsa, o assaltante vai embora, caminhando pela rua,
lentamente, como se nada tivesse acontecido.
Maria, tremendo de medo, se vira, e observa o rapaz caminhando
calmamente, carregando sua bolsa, o rapaz, branco de estatura média, bem
apessoado, traja roupas, rigorosamente limpas, de grife. Um rapaz acima de
qualquer suspeita.
Nervosa, Maria põe-se a andar no sentido contrário, pois, precisa chegar
logo à casa da filha, no entanto, não consegue esconder sua tristeza, e
principalmente, sua vergonha.
Enquanto isso, no ônibus.
- Que mulher esquisita né João?
- É, bem que o pai falo que as pessoas da cidade grande eram muito
esquisitas, Zé.
- Deve ser a poluição, que deixam as pessoas assim.
- É deve ser.
O ônibus pára.
- Chegamo.
- Vamos descer então, antes que a gente se perca nessa selva de pedra.
- Sabe Zé, o pai disse, também, que aqui, as pessoas eram muito
racistas, mas por enquanto, eu não me apercebi de nada não, e você?
- Também, não João. Também
não.Marc Souza
Esse e o verdadeiro.preconceito....
ResponderExcluirCom certeza é o preconceito... Preconceito que vive dentro de muitos...
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