domingo, 24 de novembro de 2013

DIÁLOGOS SOBRE...



            - É!
            - É!
            - E aí?
            - E aí?
            - Primeira vez?
            - É!
            - É minha primeira vez, também. Eu já estive em simulados, mas real mesmo, é a primeira vez.
            - Eu também já estive em simulados.
            - Você já morreu alguma vez?
            - Já... – diz cabisbaixo, triste. – E você?
            - Não... Nunca... Em todos os treinamentos dos quais participei sempre saí ileso, sem um arranhão sequer.
            - O último simulado do qual participei, pisei em uma mina. Falta de atenção. Eu estava muito nervoso, sabe.
            - Entendo... E agora?
            - Hã!
            - Quero dizer, e agora você esta melhor, mais tranqüilo?
            - Sim... Sim... Eu acho.
            Uma voz soa nos alto falantes.
            - Atenção! Pousaremos dentro de aproximadamente doze minutos! Apertem os cintos!
            - Você já matou alguém?
            - Não! Nunca! E você?
            - Também, não.
            - Olhe. – diz tirando do bolso uma fotografia – Minha esposa e minha filha. Não são lindas? Minha filha já tem dois anos, observe o tamanho dela, não é uma gracinha?
            - Sim, é uma gracinha, aliás, você tem uma bela família. Parabéns!
            - Obrigado!
            - Essa é minha esposa – ele também mostra uma fotografia – Ela esta grávida de três meses. Estou muito feliz, parece um sonho. Sabe, nem acredito que vou ser pai.
            - É a melhor coisa do mundo, acredite.
            - Queria voltar antes de o meu filho nascer. Gostaria muito de assistir ao parto. Ficar ao lado da minha esposa. Poder segurar sua mão e dizer que a amo. Que a amo muito. Sabe, seria a realização de um sonho.
            - É eu sei disso muito bem, sinto muito a falta delas, sabia.
            Silêncio.
            - O que você acha?
            - De que?
            - Dá... Você sabe... Acha que ganharemos?
            - Não!
            - Não?????
            - Não.
            - Por quê?
            - Por que, infelizmente, vivemos em uma situação, onde não há vencedores.
            - Mas nós estamos do lado do bem, e o bem sempre vence.
            - Eles, como nós, também acham que estão do lado do bem.
            - Mas?
            - Mas?
            - Deixa pra lá.
            Silêncio.
            - Eu não tinha pensado nisso.
            - No que?
            - Que eles são como nós. Que só estão em lados opostos... Meu Deus... E agora? Eu não posso fazer isso... Não posso.
            - Não pode o quê?
            - Não posso matar inocentes. Eu... Eu não posso matar um trabalhador.
            - São soldados... Como nós.
            - Eu sei... Suas famílias dependem deles como a nossa depende de nós.
            - Você tem razão, mas, infelizmente, estamos em uma guerra... Você sabe... E como nós, não foram eles, que idealizaram essa guerra, mas darão suas vidas por ela.
            - Meu Deus!!!
            - Como nós, eles receberão medalhas de bravura, in memorian, pois, muitos não voltarão mais para suas casas, para suas famílias, pois, perecerão, morrerão.
            - E seus filhos? Suas mulheres? Suas mães?
            - Chorarão, sofrerão como nossas esposas, nossos filhos e mães. O estado lhes dará uma pensão, reconhecimento pela bravura de seus parentes mortos em combate. Grandes soldados, dirão. Grandes soldados que morreram em combate, defendendo o nome da justiça, o nome de Deus.
            - Mas Deus não criou esta guerra.
            - Mas o homem, sim. E usa o nome de Deus em vão... Somos soldados, amigo e temos a obrigação de lutar para defender o nosso país, como eles, os soldados que hoje são nossos inimigos.
            - Mesmo que os nossos governantes sejam corruptos, egoístas, gananciosos. Mesmo que essa guerra seja feita em proveito dos mesmos.
            - Sim, temos que lutar, mesmo que os únicos beneficiados sejam eles próprios.
            Silêncio.
            - É injusto...
            - Não há justiça na guerra. Dentro de alguns minutos, nos tornaremos assassinos. Vamos usar tudo que aprendemos nas simulações, só que agora, é tudo verdade, as armas, as bombas e as pessoas.
            - (...)
            - Daqui a pouco, seremos responsáveis por massacres, estupros, destruição...
            - (...)
            - Tudo pela nossa pátria, pelo nosso país. Faremos uma guerra, em busca de paz. E quando esta paz chegar, os sobreviventes, muito deles, desejarão terem morrido em combate, para não carregarem na memória as cenas dessa guerra estúpida... Voltarão para suas famílias, mas, nunca mais se sentirão em paz, pois, as cicatrizes da guerra ficarão para sempre, guardadas em seus corações.
            - É!
            - É!
            - Atenção! Dois minutos para o pouso.
            - Sabe, queria ver minha filha crescer.
            - O que você acha que minha esposa terá? Menino ou menina?
            - Não sei.
            - Eu queria que fosse um menino. Doutor. Pensando melhor ele pode ser o que quiser. Se for menina também ficarei muito feliz. Sabe na verdade, tem que vim com saúde, o sexo, Deus escolhe, ele sim sabe o que faz, não é verdade?
            - É!
            - Tenho medo... Talvez eu nunca chegue a conhecê-lo...
            - Deixe disso.
            - O que será de meu filho, sem o pai? Se ele ficar revoltado, por não ter me conhecido? Se ele virar bandido? Se for menina, e se ela virar uma prostituta, drogada? Tudo por que foi criada sem o pai, que morreu numa guerra estúpida, criada por um governo estúpido, que só quer saber de dominar tudo e a todos. Se eu morrer, o que será de minha esposa? Heim? O que será dela?
            - Iniciando aterrissagem.
            Instantes.
            - É, amigo, quem se importa conosco?
            - Você tem razão, quem se importa?
            - Alguém se beneficiará com tudo isso, e não seremos nós, nós só temos o que perder, e quer saber, perderemos, mesmo se sobrevivermos... Mesmo se sobrevivermos.
            - Foi um prazer conhece-lo... Amigo...
            - Que Deus esteja conosco!
            - Amém!!!

Marc Souza

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