quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CARTA À PRESIDENTE


CARTA À PRESIDENTE

Três horas da tarde e o corpo estava ali, caído. Jogado no meio fio, inerte, sem vida. As pessoas que passam pelo local não notam sua presença, ou, se notam a paisagem é tão natural que sequer olham. Passam rápido, correndo, absortos em seus pensamentos, em seus problemas.
Horas mais tarde, a polícia chega ao local e aciona o IML. As roupas sujas e rasgadas sugestionam que o corpo sem vida possa a ser de um sem teto, de um indigente. Ao procurarem algo que possa identificar o corpo, a polícia não encontra nada além de uma carta. O  papel, muito amassado e sujo é rapidamente descartado pelos policiais, que o jogam fora.
Minutos depois, o IML leva o corpo, deixando no local, somente a carta, que muda de lugar de acordo com o vento que sopra lentamente, triste, sem forças, parecendo sentir a perda daquele ser sem vida que estava ali, naquele local, abandonado e sozinho.
Dias depois, uma pessoa ao passar pelo local vê um papel jogado no chão e, sem saber por que, o pega. De repente a pessoa é acometida por uma curiosidade muito grande de saber o que esta escrito naquele pedaço de papel, tão machucado pela ação do tempo, então o lê.

Carta à Presidente:

Senhora Presidente,
Perdoe-me pela intransigência, mas, nestes últimos minutos que tenho de vida queria lhe falar.
Há muito tempo atrás, fui muito importante na vida dos meus filhos e era de grande importância para todos os que estavam a minha volta, e, aos que estavam comigo. Aliás, ainda sou muito importante na vida deles, mesmo que muitos achem que não. Mas agora, estou doente, muito doente. E, não tenho mais forças para lutar. A morte, para mim, é iminente. Vejo-a chegando, quieta, devagar. Não há mais força para lutar, não tenho mais como fugir. Pra ser sincero, eu nem sei se quero fugir. A tristeza que sinto no fundo do meu coração me impede de lutar.
Fui abandonado, aos poucos, perdi tudo o que eu tinha. Sem qualquer escrúpulo por parte dos meus, fui incessantemente, roubado. Sabe senhora, nasci rico. Minhas riquezas eram quase que infinitas. Na verdade, tive todas as condições de me tornar o mais rico do mundo, mas, infelizmente, isso não aconteceu. Meus filhos, inclusive os que foram adotados, aos poucos foram me desfalcando, me roubando. Ao invés de cuidarem da minha riqueza para que eu me fortalecesse cada vez mais, eles simplesmente, retiraram tudo o que eu tinha. Tudo. Então, aos poucos fui empobrecendo, perdendo tudo o que eu tinha, até restar o que eu sou agora. Até restar o que eu tenho agora.
Em cada mudança de gestores na administração da minha riqueza, a conversa era sempre a mesma: “Melhores tempos virão”. No entanto, esses tempos nunca chegaram. Conforme meus recursos financeiros iam acabando, meus filhos começaram a fazer empréstimos em meu nome. Empréstimos a juros altos, na verdade exorbitantes. O dinheiro para pagar estes empréstimos era tirado dos meus filhos mais pobres, transformando-os em miseráveis, enquanto aqueles que me roubavam e faziam empréstimos em meu nome a cada dia se tornavam mais e mais ricos. Percebi que as coisas não estavam nada bem, que nenhumas das atitudes que meus filhos tomavam davam certo. No entanto, nada podia fazer.
Das várias empresas que tive, e não foram poucas, quase todas foram vendidas, principalmente as que davam lucro. E o que é pior, eu sequer vi o dinheiro da venda delas. Disseram que o dinheiro foi para me ajudar e ajudar aos meus filhos, mas, sinceramente, tanto eu, quanto os meus filhos, nunca recebemos ajuda alguma. Na verdade, o estado miserável o qual nos encontrávamos somente aumentou.
Senhora Presidente, a senhora não sabe o quanto é difícil ver um filho seu passando por necessidades e você não ter condições de ajudá-los. Você não sabe o quanto é difícil ver seus filhos desviarem recursos que poderiam ajudar aos seus irmãos mais pobres, em proveito próprio. Roubando dos seus irmãos mais pobres, para ficarem cada dia mais ricos. Espero que a senhora nunca passe por isso.
Estou muito doente, não só eu, mas meus filhos mais pobres também estão. O que me entristece é que eu não posso, quero dizer, eu não consigo fazer nada, para nos ajudar. Dependemos da Saúde Pública, e esta, também esta, morrendo. Agoniza no Centro de Tratamento Intensivo, respirando com a ajuda de aparelhos. Aparelhos ultrapassados, velhos, sucateados. Sinceramente, acho que a Saúde Pública já morreu, e, estão nos enganando, pois, seus responsáveis, não têm a coragem de nos dizer a verdade. Procuram ganhar tempo, à espera de um milagre.
Entre muitas das minhas doenças, está a depressão. A desilusão e a infelicidade tomaram conta de mim. Não tenho mais forças para lutar, estou à mercê de alguns dos meus filhos. Daqueles que acham que são os meus donos. Daqueles que acham que podem me usar e fazerem comigo o que bem quiserem. Daqueles que me usam para enriquecer a si próprios e aos seus mancomunados.
Diante disso o futuro da minha família é incerto. A maioria dos meus filhos vive refém dos seus irmãos “mais espertos”. Daqueles que foram nomeados para lhes protegerem, mas que na verdade, usurpam toda a minha riqueza, que também é deles. Pobres coitados, que a cada dia morrem de fome, de sede, de doenças diversas, abandonados nas filas dos Prontos Socorros ou de alguma Unidade de Saúde, abandonados à mercê da sorte.
Cara presidente desculpe, mas não sei mais o que fazer. Estou vivo, mas morto. Sou rico, mas ao mesmo tempo, muito pobre. Saiba que eu, e a maioria dos meus filhos vivemos, ou melhor, sobrevivemos das migalhas deixadas por aqueles que têm por obrigação, cuidar de nós. Aqueles que foram escolhidos para melhorar a nossa vida. Aqueles que foram escolhidos para cuidarem das minhas riquezas de forma responsável, para que todos tenham uma vida digna, com saúde, lazer, bem estar, e, principalmente, segurança.
Espero que a senhora, após ler estas poucas linhas, possa me ajudar. Só a senhora pode me ajudar, aliás, ajudar os meus pobres filhos, antes que seja tarde. Antes, que seja tarde demais. Por favor, este é meu único pedido. Não deixe mais que nos enganem. Dizem, também, que estou com boa saúde e que os meus filhos também, mas, a senhora sabe que é mentira. Dizem que estou seguro, que a minha segurança e a de meus filhos é exemplar, mas, sabemos que isso também não acontece. Dizem até, que os meus filhos mais velhos estão sendo bem cuidados e que recebem o suficiente para suas necessidades. Mas a senhora sabe...
Ah, já estava me esquecendo, falam aos quatro ventos, que fui educado nas melhores escolas, não só eu, mas todos os meus filhos, infelizmente, outra mentira. História da carochinha, inventada por aqueles que só pensam em tirar vantagem dos seus irmãos mais humildes. Sem contar que segundo eles todos os meus filhos estão empregados, e bem empregados o que não deixa de ser mais uma fantasia.
Ah! Como sofro, pensam que eu sou burro, idiota, esquecem que, quando eles chegaram aqui, eu já estava, há muito tempo. Pensam que me enganam, me ludibriam. Tolos. Idiotas. Ladrões.
Desculpe senhora, mas estou muito fraco, agonizando. Não só eu, mas, meus filhos mais humildes também. Estes, que, comigo, morrem cada dia um pouquinho. Uma morte lenta e triste. Por isso peço-lhe que nos ajude. A senhora pode mudar tudo isso, e, ajudar os meus filhos mais pobres, os meus filhos mais humildes. Pois, são eles que ajudaram a me construir. São eles que me amam, mesmo eu lhes dando tão pouco.
Sinto fraqueza. Estou ficando sem forças. Sem vida.Tenho que parar por aqui.
Mais uma vez, peço que me desculpe.
Eu... Eu não estou legal... Acho que estou delirando... Acho que... Acho que vou morrer...
Ajude-me, antes que eu...

Brasil.

Marc Souza 

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