sábado, 19 de julho de 2014

UM DIA QUALQUER


UM DIA QUALQUER

 O que você faria se soubesse o seu futuro?
O que você faria se, ao se levantar de manhã para o trabalho já soubesse tudo o que fosse lhe ocorrer?
As coisas boas e as ruins.
Confesso que eu não saberia o que fazer.
Talvez, procuraria manter ou mudar meus atos; dependendo do que pudesse acontecer eu tentaria mudar os fatos, procuraria melhorar, pensar melhor. Tentaria enganar o destino.
Talvez!
Mas, sinceramente? Não tenho certeza.
Muitos dizem que, quando algo vai nos acontecer, seja de bom ou ruim, sentimos. Nosso corpo ou nossa mente, nem se for por um segundo, sente. E quando o imprevisível acontece sentimos que já sabíamos que aquilo poderia acontecer.
Mas, naquele dia eu nada senti. Era um dia normal. Como todos os dias, levantei cedo, tomei meu banho e saí para o trabalho.
Nenhum sentimento. Nenhuma premunição. Nada. Nada que pudesse me preparar para o que estava por vir.
Mesmo agora me pergunto: se eu, por um acaso soubesse o que estava por vir, o que eu faria? Tentaria mudar os fatos? Ou deixaria o destino agir com sua lógica, ilógica. Com seus caminhos estranhos, que no final, nos levam para um só lugar.
Se eu soubesse o que estava por vir, eu mudaria meus atos para com meus amigos? Meus conhecidos? Minha família? Eu procuraria ser uma pessoa melhor?
Não sei.
Mesmo depois de tudo o que aconteceu eu, eu ainda não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Não sei o que fazer, ou, no meu caso, não sei o que faria.
Naquele dia tudo ocorreu como sempre.
Trabalho. Almoço. Trabalho. Lanche da tarde. Trabalho.
Nenhum pensamento. Nenhum sentimento. Nenhum pressentimento.
Mas, algo estava por vir. Algo que mudaria a minha vida e a de meus amigos e familiares para sempre.
E eu... Eu sequer imaginava que fosse acontecer.
Saí do trabalho no mesmo horário de sempre. Tomei o mesmo ônibus, lotado como sempre, com as pessoas de sempre. Você pode não acreditar, mas, depois de anos fazendo todos os dias as mesmas coisas, tomando sempre o mesmo ônibus, no mesmo horário, eu reconhecia cada um daqueles rostos. Apesar de nunca ter trocado qualquer palavra com quem quer que fosse. Pelos olhares, conhecia cada um. E imaginava as suas histórias. Percebia seus medos, seus anseios. E muitas vezes imaginava quais seriam seus sonhos.
Aquele era um dia qualquer. Um dia como qualquer outro que eu vivera até então.
Ledo engano.
Desci do ônibus e como sempre, passei na mercearia, comprei um refrigerante gelado para o jantar e sai andando pela rua movimentada. Àquela hora as pessoas como eu, estavam voltando para casa do trabalho. As crianças andavam de bicicleta e corriam pela rua de terra batida. Brincavam felizes. Muitos adultos estavam nos barzinhos tomando cervejas, jogando sinuca ou jogando conversa fora. Tudo dentro da normalidade.
Muitas vezes uma atitude faz com que o futuro, o seu futuro, seja mudado. Para o bem. Para o mal.  Uma parada em um local qualquer. Uma saída atrasada, ou adiantada. Até o fato de almoçar ou não pode trazer sérias conseqüências.
Após a parada na mercearia comecei a subir o morro.
De repente tiros.
As pessoas começaram a correr de um lado para o outro. Começaram a procurar abrigo contra as balas, que passavam vindas de todos os lados. Balas que cortavam o ar acertando as paredes dos barracos, suas janelas seus tetos, balas que não tinham endereço próprio.
Que vida!
Quase todos os dias era a mesma coisa. Não importava o sofrimento. Não importava o que passávamos no trabalho. Na volta era a mesma coisa. A briga entre o bem e o mal, se é que essa briga realmente existe. Até por que, no meio dela estávamos nós. Trabalhadores honestos, cansados após um dia estafante. Pais de família, estudantes, crianças. Todos nós estávamos ali, cada um tentando se salvar. Salvar a própria pele. Livrar-se da morte iminente.
Aquele era um dia qualquer, quantos destes eu tivera. Quantas vezes passei a noite na rua sem poder voltar para casa por causa desta luta a qual eu nunca fizera parte.
Mas, naquele dia, tudo mudou. A minha vida. A vida dos meus familiares mudou sem avisar. Sem pressentimentos ou sonhos.
Aquele dia, não era um dia comum. Não era um dia qualquer. Era o dia da mudança, da transformação.
Escondido entre os barracos se protegendo das balas que insistiam em cruzar o ar em busca de um destino, ouvi um barulho, um grito de terror. Procurei ver o que estava acontecendo, foi quando percebi que o grito estava sendo direcionado a mim.
“O que eu fiz?” – pensei – “O que está acontecendo?”
Então percebi que a minha camisa estava molhada, mas, não era água. Era um líquido quente vermelho vivo, que insistia a sair de mim. Rapidamente meu corpo foi enfraquecendo, minha visão foi escurecendo. De repente eu já não ouvia os gritos de desespero da mulher. De repente, nada mais ouvi ou senti e tudo, tudo se transformou em nada.
Para mim era um dia comum. Um dia como qualquer outro. Um dia em que vivi. Trabalhei. Diverti-me.  
E mesmo agora, depois de tudo o que aconteceu ainda não sei dizer, que, seu eu soubesse seu desfecho faria diferente.

Por que aquele foi um dia comum. Um dia que jamais esqueci. Aquele foi meu ultimo dia, foi o dia em que morri.

                                                                 Marc Souza

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