quinta-feira, 3 de julho de 2014

A DECLARAÇÃO


A DECLARAÇÃO

Naquele dia, entrou no ônibus decidido; Iria se declarar a ela. Dizer que a amava. Que ela era o grande amor de sua vida. Há dias pensava nisso e naquele momento havia tomado a grande decisão. Não mais esconderia seus sentimentos. Não mais.
Ele a amava desde o primeiro dia que a vira entrar naquele ônibus lotado. De repente, na confusão de pessoas que procuravam se acomodar dentro do ônibus lotado ela surgiu. Linda. Radiante. De uma hora para outra tudo se transformou. Não havia mais caos. Não havia mais desconforto. De uma hora para outra o sofrimento, a dificuldade daquela situação transformou-se em prazer. Prazer em vê-la mesmo que a distância. Seus olhos. Seus cabelos. Seu jeito meigo de ser. De repente se viu apaixonado. Perdidamente apaixonado por aquela garota.
A partir daquele dia ele não via a hora de tomar o ônibus de manhã. Apesar do sofrimento que era enfrentá-lo naquele horário, horário em que todos iam para o trabalho. Queria vê-la. Nem se fosse de longe. Ele fazia de tudo para ficar próximo a ela. Algumas vezes, quando tinha lugar para ele sentar, logo que ela entrava no ônibus usava de seu cavalheirismo passando-lhe o lugar. Quando não, fingia dormir para que ninguém sentasse ao seu lado na poltrona até ela chegar.
E trocavam olhares. Trocavam sorrisos. Mas nunca, nunca conversaram. Nunca trocaram uma palavra sequer. Até aquele dia. Aquele fatídico dia.
Na noite anterior ele ensaiara todos os passos que daria na manhã seguinte. A forma de se comportar. As palavras a dizer. Ficou horas e horas na frente do espelho. De manhã, tomou um banho. Passou sua melhor colônia e saiu. Decidido. Iria definitivamente entregar-se a seu grande amor.
O ônibus estava praticamente vazio quando entrou. “Um sinal” – pensou - “Um bom sinal”. Encontrou uma poltrona vazia e sentou-se. Para que ninguém sentasse ao seu lado fingiu dormir. Vez ou outra abria os olhos discretamente observando a movimentação dos passageiros, mas, mais uma vez tudo ocorreu bem. Tudo estava contribuindo para que ele naquela manhã se entregasse ao amor. E declarasse de uma vez todo o amor que sentia por ela.
Mais uma parada e lá vem ela. Bela. Iluminando todo o local. Trazendo luz às trevas do seu coração. Trazendo o cantar dos pássaros ao silêncio da sua vida. Ele fica nervoso. Tenso. Ansioso. De repente seu coração começa a bater forte. A respiração esta ofegante, mas ele luta contra a ansiedade com todas as suas forças. Então se levanta e oferece um lugar ao seu lado. Ela lhe sorri e senta-se.
“Agora é a hora” – pensa – “Tudo esta saindo como planejado” “É um sinal”.
Estão lado a lado. Ele tenta conter a ansiedade antes de puxar conversa com ela, afinal não quer passar vergonha na frente da pessoa amada. Tenta controlar a respiração, abaixar os batimentos cardíacos. Afinal parece que o seu coração vai sair pela boca.
Trocam olhares. Sorrisos.
“É hoje.” “Tem que ser”. “Meu Deus! Como ela é linda!”. “Linda!”.
Ela olha para ele e sorri. Um sorriso que o deixa hipnotizado. Paralisado. “Ela me ama, vejo em seus olhos”. “Seu sorriso”. “Seu olhar”. “É agora, tem que ser”.
Encorajado com a situação, ele a olha ternamente. Um olhar de pessoa apaixonada. Então, antes de se declarar:
- Moço!? – começa ela - O senhor... Desculpe, mas... O senhor esta com uma caquinha no nariz. Bem aqui ó... – completa fazendo um sinal.
Foi um banho de água fria. A vergonha tomou conta dele, que, limpando o nariz rapidamente levantou-se e saiu, em silêncio. Logo no primeiro ponto que o ônibus parou, ele desceu, e nem olhou para traz.


Marc Souz (escritor)

Este conto está no meu livro casos Acasos e DEScasos à venda na Aped Editora Aped no link:
http://www.apededitora.com.br/livraria-virtual/
Seção entretenimento
Ou no email: marcsouz@yahoo.com.br

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