segunda-feira, 18 de abril de 2016

Relembre dez clássicos infantojuvenis que mereciam virar filmes

Entre tantos clássicos da literatura infantojuvenil que marcaram a infância, quais você escolheria para ver nos cinemas? Com o lançamento na quinta-feira (14) da versão cinematográfica de "O Escaravelho do Diabo", o sentimento nostálgico tomou conta dos adultos.
O livro de Lúcia Machado de Almeida é um dos principais nomes da antiga coleção "Vaga-Lume", da editora Ática, que desde a década de 1970 mexe com o imaginário de tantos jovens leitores.
A falta de filmes para o público infantojuvenil chama atenção no cinema nacional. "Talvez o cinema nacional tenha visto a criança até agora como criança. E a criança cresceu, amadureceu no sentido de ser tão antenada quanto o adulto", falou o ator Marcos Caruso em entrevista ao UOL nesta semana.
Mergulhando em fantasia, suspense, investigação e terror, os jovens que leram a coleção Vaga-Lume e outros clássicos infantojuvenis quando estavam no ensino fundamental agora já estão adultos. Entre tantas obras, selecionamos algumas que seriam grandes apostas para conquistar novos e antigos fãs nas telonas.
. "O Mistério do Cinco Estrelas" (Marcos Rey)
Reprodução
Figura carimbada na coleção Vaga-Lume, Marcos Rey (pseudônimo de Edmundo Donato) lançou o suspense em 1981. Léo, um carregador de malas de um hotel luxuoso em São Paulo, acaba encontrando o corpo de um homem debaixo da cama de um dos hóspedes mais importantes, o Barão.
O garoto de 16 anos chama a polícia, mas decide resolver o caso sozinho, claro, com a ajuda dos amigos do colégio. A turma entrevista inúmeros funcionários e clientes do hotel, passando por situações perigosas para chegar à verdade.

. "O Esqueleto Atrás da Porta" (Stella Carr)
Stella Carr aborda o comércio de drogas nas escolas e descreve personagens típicos encontrados em todos os colégios. O empolgante e misterioso enredo sobre a discussão do tema central, do envolvimento de menores com questões ilícitas, transmite uma mensagem ao leitor. O nome "O Esqueleto Atrás da Porta" vem da ideia de algo que tenta ser escondido para não denegrir a imagem de alguém.
. "A Droga da Obediência" (Pedro Bandeira)
Reprodução
Publicado em 1984, "A Droga da Obediência" é o primeiro livro da série "Os Karas", grupo formado por jovens talentosos e inteligentes que precisam lutar contra o misterioso doutor Q.I e sua poderosa droga, transformando todos em fiéis seguidores.
Esse foi o primeiro livro da série. Ainda na sequência, "Pântano de Sangue", "Anjo da Morte" e mais três obras contam as aventuras da turma.
. "Na Mira do Vampiro" (Claudio José Lopes dos Santos)
Um vampiro à solta na cidade do Rio de Janeiro é motivo para qualquer jovem ficar preocupado ou destemido. A dupla Duda e Toninho criam coragem e vão atrás do misterioso caso. Passando por aventuras e situações engraçadas, os dois acabam criando uma história que intriga o leitor e não o deixa descansar o livro até saber se o bendito monstro foi encontrado.
. "A Turma da Rua Quinze" (Marçal Aquino)
Reprodução
Outro clássico da década de 1990, "A Turma da Rua Quinze" conta a série de sumiços de moradores de um bairro, que acabavam como desaparecidos. Marcão é um desses que não foram encontrados ainda, levando os pais à polícia e os amigos a bolar um plano para tentar resolver o problema. Enquanto isso, o cachorro Napoleão cisma com um sinistro vizinho, que se mudou faz pouco tempo e cuja enorme cicatriz no rosto chama a atenção.
. "A Ilha Perdida" (Maria José Dupré)

Publicado originalmente em 1944, estima-se que já tenha vendido mais de 3 milhões de unidades. Resgatado pela editora Ática, o livro apresenta os irmãos Eduardo e Henrique, que passam as férias na fazenda da família.
Após ficarem o dia montando a cavalo, brincando no lago e percorrendo o grande terreno da localidade, a dupla encontra uma ilha distante do outro lado da margem do rio. Curiosos, eles se preparam para chegar à misteriosa região.
. "O Rapto do Garoto de Ouro" (Marcos Rey)
Reprodução
Um dos livros mais lembrados da coleção "Vaga-Lume", a obra de Marcos Rey é contada em São Paulo. O recente sucesso de Alfredo como músico foi logo seguido pelo sequestro do garoto. Os amigos mais próximos acabam tomando o caso como investigadores profissionais e vão apurar os fatos para tentar desvendar quem fez isso com o amigo.
. "O Segredo da Casa Amarela" (Giselda Laporta Nicolelis)
Wanderlei, Zarolho, Camaleão, Jaime e Pedro são amigos e xeretas por natureza. Intrigados com uma misteriosa casa amarela, que fica justamente na frente do campinho onde eles jogam bola, o quinteto decide investigar. Homens misteriosos entram e saem da casa a toda hora, e algo está enterrado no quintal.
. "A Vida Secreta de Jonas" (Luiz Galdino)
O escritor Luiz Galdino baseou o livro em uma notícia que viu quando ainda era pequeno: um garoto do interior de Goiás que, além de estranho, não sabia de onde vinha. Com o caso na cabeça por tanto tempo, o livro foi publicado em 1989, com um enredo semelhante, que mistura ficção científica e suspense.
. "Meninos Sem Pátria" (Luiz Puntel)
Reprodução
Introduzindo um tema mais complexo aos adolescentes, Luiz Puntel apresenta uma família que procura exílio durante a ditadura militar. Em cada país, uma mudança acaba acontecendo e a família precisa se ajustar para conseguir lidar com a situação e deixar de lado a saudade da pátria.
O narrador da história é Marcos, filho mais velho de Zé Maria e Tereza, cujo pai era dono do jornal "O Binóculo" e foi responsável por denunciar casos de corrupção na cidade onde moravam.

Inédito de Antonio Candido cita raridade “escabrosa” de Oswald de Andrade

Antonio Candido
Para comemorar os dez anos do Festival Literário de Poços de Caldas – a Flipoços, que neste ano chega a sua 11ª edição entre os dias 30 de abril e 8 de maio -, a organização do evento convidou 15 escritores renomados para escreverem sobre as relações que tiveram com a cidade no sul de Minas.
Enquanto “Poços é uma Festa”, o livro com essas peças, permanece sem previsão para lançamento, a Flipoços autorizou que o Página Cinco publicasse um dos textos até então inéditos, de autoria do crítico literário e sociólogo Antonio Candido, hoje com 97 anos, um dos nomes mais importantes das letras no país.
Em “A Cidade, A Casa e Os Livros”, Candido lembra da sua infância e juventude na cidade, remonta parte da sua formação como leitor e cita quando se deparou com a primeira edição de “Serafim Ponte Grande”, uma raridade de Oswald de Andrade, responsável por palavras e cenas “escabrosas”, segundo o crítico.
Eis o manuscrito (a transcrição está abaixo):
1candi
2candi
3candi
4candi
5candi
A cidade, a casa e os livros
(Memórias)
Antonio Candido
Para mim, Poços de Caldas está associada de modo essencial à ideia do livro e da leitura. A cidade tinha 12.000 habitantes quando nela fomos morar, em janeiro de 1930. Eu ia pelos onze anos e meio e era um pequeno leitor compulsivo, atraído pelos livros de modo um pouco maníaco. Tendo lido até então, desde os seis anos, livros infantis e já alguns para adultos, mergulhei nestes em Poços, encontrando condições favoráveis para isso.
Meu pai era médico, mas além dos livros ligados à sua profissão tinha uma biblioteca de filosofia, história e literatura. Ela ficara na maior parte guardada alguns anos no Rio de Janeiro, enquanto morávamos na cidade sul-mineira de Cássia. Abrindo os caixotes, meus irmãos e eu fomos vendo sair deles centenas de volumes, nas suas brochuras leves ou em sólidas encadernações. Nossos pais nos estimulava, a lê-los, nos puxando sempre para cima, isto é, para obras destinadas a adultos, das quais meu pai costumava nos ler e comentar trechos depois do jantar, antes de ir para o escritório e seus estudos.
Em Poços fui aluno de um curso de admissão o ginásio da notável educadora D. Maria Ovídia Junqueira, senhora muito culta, que eu escolheria no futuro remoto para se patrona da cadeira que tenho o privilégio de ocupar na Academia Poçocaldense de Letras. Ela orientou minhas leituras com o mesmo espírito de “puxar para cima” de meus pais. Seu marido, Afonso Junqueira, falecido prematuramente havia pouco quando chegamos, era grande leitor, como ela, e ficara com uma pequena parte da biblioteca de Pedro Sanches de Lemos, seu cunhado. Eu tinha livre acesso a ela e a aproveitei muito. D. Maria Ovídia foi em seguida minha professora de inglês no curso ginasial. Criada por uma tia cujo marido era pastos presbiteriano norte-americano, era bilíngue e me iniciou na cultura de língua inglesa, complementando assim a maciça influência francesa que meus irmãos e eu recebemos em casa e numa longa estadia na França.
A uma amiga italiana de D. Maria Ovídia e de minha mãe, frequentadora semanal de nossa casa, D. Teresina Carini Rocchi, devo a iniciação da cultura de seu país. Era socialista, antifascista intransigente, lia sem parar, mas não conservava os livros, para que, ao circularem, difundissem o saber, guardando apenas os de consulta e de leitura constante, como os poemas de Giacomo Leopardi. Sobre a sua personalidade vulcânica e admirável publiquei faz muito tempo em texto longo.
Além disso, Poços de Caldas proporcionou a mim e meus irmãos o acesso a uma livraria pequena, mas de qualidade a Vida Social, situada na antiga Rua Bahia, atual Prefeito Chagas, onde podíamos comprar não apenas livros em português, mas em francês e inglês. Os livros brasileiros se enquadravam na maior parte do grande movimento renovador dos anos 1930 e 40, quando o Brasil estava, por assim dizer, mudando de pele. Foi o tempo da produção de obras importantes de economia, política, estudos sociais, bem como de incorporação do Modernismo e fecundação das literaturas regionais. Nós, adolescentes de Minas, íamos conhecendo por essas vias um Brasil diferente, – nos romances de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queirós, Amando Fontes, Érico Veríssimo e outros hoje esquecidos. E também estudos históricos, sociológicos, antropológicos, políticos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Artur Ramos, Caio Prado Júnior, tudo em geral disponível na Vida Social.
Meu parceiro fraterno nessa aventura foi com colega de ginásio, neto de Pedro Sanches, sobrinho neto de Afonso Junqueira e, portanto, de D. Maria Ovídia: José Bonifácio de Andrada e Silva. Volta e meia íamos rondar a Vida Social na altura das cinco da tarde, quando chegava o trem e com ele, quem sabe, o livro que estávamos esperando e o encarregado da livraria, João Vilela, extrairia dos pacotes. No caso positivo, nós pegávamos e talvez fôssemos depressa começar a leitura ali perto, nalgum banco da Praça Pedro Sanches, com a incomparável sofreguidão literária da adolescência.
A Vida Social tinha singularidade, a maior das quais talvez tenha sido, como percebi muitos anos depois, o fato de ter sido a única, em toda a minha vida de frequentador contumaz de livrarias, onde vi posto à venda, em 1934, o Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, magra brochura editada à custa do autor, com tiragem creio que de apenas 500 exemplares pouco distribuídos. Muito divertidos com seu humor esfuziante e desbragado, José Bonifácio e eu o folheamos male mal na própria livraria com licença do amigo João Vilela, pois não ousaríamos levá-lo para casa à vista das muitas cenas e palavras “escabrosas”, como dizia então. O que diriam os pais? Quanto ao público, só teve acesso fácil ao Serafim na 2ª edição, de caráter regular, quase quarenta anos depois…
Outra singularidade para uma livraria de cidade do interior eram os livros que vendia nas línguas originais, como referi. Livros franceses clássicos da Editora Garnier, de Paris, livros modernos da Plon e da Stock, bem como livros ingleses da Tauchnitz e outras. Orientado por minha mãe, comprei lá em belas encadernações os “moralistas franceses” dos séculos XVI a XVIII, que foram fundamentais ao longo dos anos para a minha concepção do homem.
****
Meu pai morreu prematuramente em 1942 e minha mãe foi morar em São Paulo, onde já estavam os filhos, mas conservamos a casa e nela íamos sempre. Minhas filhas e meus sobrinhos a frequentaram até a maturidade e depois foi a vez dos netos. Minha filha Ana Luiza contou a sua experiência caldense no livro que escreveu sobre a sua infância: O pai, a mãe e a filha. Como disse com precisão poética em um dos seus livros meu irmão Roberto, “a casa era a nossa epiderme de alvenaria”, e até 1989, quando a vendemos, uma espécie de sede da família. Para mim, foi sempre um remanso onde eu ia ler e escrever até que um dia os livros e as pessoas migraram e ela própria acabou desaparecendo fisicamente. Mas para nós, é como se, lembrando o verso de Manuel Bandeira, continuasse
Intacta, suspensa no ar.
Cumprimentos cordiais
Antonio Candido de Mello e Souza

Trailer: CAPITÃO AMÉRICA GUERRA CIVIL


Assista agora o trailer do filme: Mogli, o filme que desbancou Batman e Superman


Veja lista completa dos dez filmes mais visto no fim de semana no Brasil


1 - "Mogli: O Menino Lobo" - R$ 9,48 milhões em bilheteria e 569 mil ingressos vendidos
2 -"Batman vs Superman" - R$ 7,58 milhões em bilheteria e 454,2 mil ingressos vendidos (acumulado de R$ 115,1 milhões e 7,3 milhões de ingressos)
3 - "Zootopia" - R$ 1,8 milhão em bilheteria e 135,2 mil ingressos vendidos (acumulado de R$ 34,8 milhões e 2,4 milhões de ingressos)
"Invasão a Londres" - R$ 1,5 milhões em bilheteria e 96,1 mil ingressos vendidos (acumulado de R$ 5,5  milhões e 379 mil ingressos)
5 - "Rua Cloverfield, 10" - R$ 971,3 mil em bilheteria e 62,7 mil ingressos vendidos (acumulado de R$ 3,6 milhões e 258,6 mil ingressos)
6 - "Deus Não Está Morto 2" - R$ 750,7 milhão em bilheteria e 52,9 mil ingressos vendidos (acumulado de R$ 3 milhões e 239,2 mil ingressos vendidos)
7 - "O Escaravelho do Diabo" - R$ 639,1 mil em bilheteria e 43,5 mil ingressos vendidos 
8 - "Ave, César" -  R$ 511,6 mil em bilheteria e 25,3 mil ingressos vendidos
9 - "Mente Criminosa" - R$ 494,7 mil em bilheteria e 27,9 mil ingressos vendidos
10 - "Truman" -  R$ 271, mil em bilheteria e 15,3 mil ingressos vendidos

Mogli arrecada R$ 9,4 milhões e desbanca "Batman vs Superman" da liderança

A superprodução live-action da Disney, "Mogli: O Menino Lobo", chegou semana passada aos cinemas e tomou a liderança no ranking dos filmes que mais arrecadaram no período entre quinta-feira (13) a domingo (17), segundo dados da empresa de monitoramento comScore.
As aventuras do garoto selvagem desbancaram "Batman vs Superman", conseguindo arrecadar R$ 9,45 milhões nas bilheterias e atraindo um público de 569.078 pessoas, enquanto o filme da DC Comics fez R$ 7,58 milhões e levou 454.234 curiosos ao cinema.
"Mogli" conseguiu atrair mais público do que "Zootopia", por exemplo, que na semana de estreia arrecadou R$ 9,35 milhões . Os dados mais recentes da comScore também indicam uma queda acentuada do público. Entre os dias 7 e 10 de abril, para tomar como base, 1.759.667 pessoas foram ao cinema contra 1.482.699 neste fim de semana.
Na sequência do top 10, "Zootopia" continua agradando aos brasileiros e se manteve mais uma semana na 3º posição da lista, com R$ 1,88 milhão arrecadado e 135.283 ingressos vendidos. 
Eterno líder espartano de "300", Gerard Butler conseguiu atrair 96.148 pessoas para assistirem à "Invasão a Londres", que subiu uma posição em comparação à semana anterior, com R$ 1,55 milhão.
Em 5º lugar, o projeto ambicioso e elogiado de J. J, Abrams, "Cloverfield, 10", ainda chama a atenção. Neste fim de semana, o filme arrecadou 971.324 em 62.732 ingressos vendidos. 
A comédia "Deus Não Está Morto 2" é a próxima da lista, com R$ 750.756 arrecadados e 52.928 ingressos vendidos.
Menores, as outras produções estreantes não tiveram tanto destaque nas bilheterias. O nacional "O Escaravelho do Diabo", baseado no livro da coleção "Vaga-Lume", ficou na 7ª posição da lista, com R$ 639, 2 mil nas bilheterias.
"Ave, César", projeto dos irmãos Coen, "Mente Crimonosa", estrelando Kevin Costner, Ryan Reynolds e Gary Oldman, e "Truman", novo filme do argentino Ricardo Darin, completam a sequência.

Leia trecho de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Martha Batalha

  • Divulgação
    Capa do livro "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Marta Batalha
    Capa do livro "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Marta Batalha
Leia a seguir o início do primeiro capítulo de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Martha Batalha, que sai pela Companhia das Letras em abril.
Quando Eurídice Gusmão se casou com Antenor Campelo as saudades que sentia da irmã já tinham se dissipado. Ela já era capaz de manter o sorriso quando ouvia algo engraçado, e podia ler duas páginas de um livro sem levantar a cabeça para pensar onde Guida estaria naquele momento. É verdade que continuava a busca, conferindo nas ruas os rostos femininos, e uma vez teve a certeza de ter visto Guida num bonde rumo a Vila Isabel. Depois essa certeza passou, como todas as outras que teve até então. 
Por que Eurídice e Antenor se casaram ninguém sabe ao certo. Alguns acreditam que as bodas se consumaram porque José Salviano e Manuel da Costa já estavam comprometidos. Outros apontam a doença da tia de Antenor como responsável pela união, já que agora ela não podia mais lavar as roupas do sobrinho com o sabão especial de lavanda, ou preparar a canja de galinha com pedaços transparentes de cebola, porque se Nonô apreciava o gosto de cebola detestava a sua textura, sendo um único pedaço camuflado no feijão capaz de lhe deixar com engulhos e arrotos por uma longa tarde regada a Alka-Seltzer. Há ainda aqueles que acreditam que Eurídice e Antenor de fato se apaixonaram, e que essa paixão durou os três minutos de uma dança a dois num baile de máscaras do Clube Naval.
A questão é que se casaram, com igreja lotada e recepção na casa da noiva. Duzentos bolinhos de bacalhau, dois engradados de cerveja e uma garrafa de champanhe para o brinde na hora do bolo. Um vizinho professor de violino se ofereceu para tocar na festa. Cadeiras foram empurradas contra a parede, para
os casais dançarem uma valsa.
Não havia muitas moças na festa, porque Eurídice não tinha amigas. Havia duas tias não muito velhas, uma vizinha não muito vistosa, uma outra não muito simpática. A jovem mais bonita estava na imagem do único porta-retratos da sala.
"Quem é a moça da foto?", perguntou um amigo do noivo.
Antenor cutucou o amigo, disse que aqueles não eram modos. O moço ficou sem graça, olhou para os lados, olhou para o copo na mão. Deixou a cerveja na mesa e foi para a outra ponta da sala.
Foi uma cerimônia simples, seguida por uma festa simples, e por uma lua de mel complicada. O lençol não ficou sujo, e Antenor se indignou.
"Por onde raios você andou?"
"Eu não andei por canto algum."
"Ah, andou, mulher."
"Não, não andei."
"Não me venha com desculpas, você sabe muito bem o que deveríamos ter visto aqui."
"Sim, eu sei, minha irmã me explicou."
"Vagabunda. Eu me casei com uma vagabunda."
"Não fale assim, Antenor."
"Pois falo e repito. Vagabunda, vagabunda, vagabunda."
Sozinha na cama, corpo escondido sob o cobertor, Eurídice chorava baixinho pelos vagabunda que ouviu, pelos vagabunda que a rua inteira ouviu. E porque tinha doído, primeiro entre as pernas e depois no coração.
Nas semanas seguintes a coisa acalmou, e Antenor achou que não precisava devolver a mulher. Ela sabia desaparecer com os pedaços de cebola, lavava e passava muito bem, falava pouco e tinha um traseiro bonito. Além do mais, o incidente da noite de núpcias serviu para deixá-lo mais alto, fazendo com que precisasse baixar a cabeça ao se dirigir à esposa. Lá de baixo Eurídice aceitava. Ela sempre achou que não valia muito. Ninguém vale muito quando diz ao moço do censo que no campo profissão ele deve escrever as palavras "Do lar".
Cecília veio ao mundo nove meses e dois dias depois das bodas. Era uma bebê risonha e gordinha, recebida com festa pela família, que repetia: É linda! 
Afonso veio ao mundo no ano seguinte. Era um bebê risonho e gordinho, recebido com festa pela família, que repetia: É homem!
Responsável pelo aumento de cem por cento do núcleo em menos de dois anos, Eurídice achou que era hora de se aposentar da parte física de seus deveres matrimoniais. Tentou explicar a decisão para Antenor, através de umas indisposições que passou a ter, nas horas soltas das manhãs de sábado e naqueles momentos
escuros, depois das nove da noite. Mas Antenor não queria saber de não me toques. Ele era um homem de hábitos e de rotinas, como aquela que envolvia achegar-se à camisola da mulher e afundar o nariz no macio do pescoço branco. Eurídice então se fez ouvir de outras formas. Ganhou um monte de quilos que
falavam por si, e gritavam para Antenor se afastar.
Ela emendava o café da manhã no lanche das dez, o almoço no lanche das quatro e o jantar na ceia das nove. Intervalos eram preenchidos com as sobras de papinhas e as provas de comida, para saber se tinha muito ou pouco sal, muito ou pouco açúcar, muito ou pouco gosto. Ganhou três queixos, essa Eurídice. Parece que seus olhos diminuíram, e seus cabelos não eram suficientes para emoldurar tantas feições. Quando viu que estava no ponto, que era o ponto de fazer o marido nunca mais se aproximar, adotou formas saudáveis de alimentação. Fazia dieta nas manhãs de segunda-feira e no intervalo entre as refeições.
O peso de Eurídice se estabilizou, bem como a rotina da família Gusmão Campelo. Antenor saía para o trabalho, os filhos saíam para a escola e Eurídice ficava em casa, moendo carne e remoendo os pensamentos estéreis que faziam da sua uma vida infeliz. Ela não tinha emprego, ela já tinha ido para a escola, e como preencher as horas do dia depois de arrumar as camas, regar as plantas, varrer a sala, lavar a roupa, temperar o feijão, refogar o arroz, preparar o suflê e fritar os bifes?
Porque Eurídice, vejam vocês, era uma mulher brilhante. Se lhe dessem cálculos elaborados ela projetaria pontes. Se lhe dessem um laboratório ela inventaria vacinas. Se lhe dessem páginas brancas ela escreveria clássicos.

Recusada no Brasil, escritora atraiu estrangeiros e produtor de cinema

  • Zô Guimaraes/Folhapress
    A escritora Martha Batalha
    A escritora Martha Batalha
Publicar o primeiro livro é um desafio para um escritor estreante, e em tempos de recessão econômica pode se tornar uma missão impossível. Esse teria sido o destino da escritora Martha Batalha, não fosse por um detalhe: "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", sua primeira obra, chamou a atenção de diversas editoras no exterior e teve os direitos comprados para o cinema. Tudo isso antes mesmo de ser publicado no Brasil, onde foi recusado pelos grandes grupos editoriais até ser adquirido pela pequena Companhia Editora Nacional e, mais tarde, passar à Companhia das Letras, que acaba de enviá-lo às livrarias.
"O livro demorou muito tempo para ser aceito no mercado brasileiro. E acho que a culpa não foi do mercado. No ano passado, como esse ano também, o mercado editorial estava em uma super-crise. A maior parte das editoras não estava aceitando novos autores, estava todo mundo tentando se segurar", conta ela, explicando que o corte de gastos do governo teve um grande impacto nas editoras, que têm no poder público um de seus maiores compradores.
Martha, 42, fala com conhecimento de causa: jornalista, ela abandonou as redações em 2003 para fundar a editora Desiderata, responsável por publicar a antologia do jornal satírico "Pasquim" e os livros de seus antigos colaboradores, como Millôr Fernandes, Jaguar e Ivan Lessa. No final de 2007, a editora foi vendida para o grupo Ediouro e Martha mudou-se para os Estados Unidos para cursar um mestrado em editoração e recomeçar a vida ao lado do atual marido, porto-riquenho.
Seu sucesso contou com a ajuda de outra profissional experiente, a agente Luciana Villas-Boas, da Villas-Boas & Moss, nome de peso na representação de autores brasileiros. Em meio à rejeição das editoras nacionais, foi ela quem começou a oferecer o livro para casas estrangeiras e fechou o primeiro negócio com a alemã Sührkamp, que fez uma proposta acima do valor de mercado para evitar que o livro fosse a leilão (prática conhecida no mercado editorial como "pre-empt offer"). Em outubro de 2015, veio a Feira do Livro de Frankfurt, e o interesse internacional aumentou: até agora, "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" já foi vendido para dez países, incluindo Alemanha, Itália, Portugal, França e Holanda.
Divulgação
Capa do livro "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Marta Batalha
Cinema
Antes de Frankfurt, Luciana também já havia conseguido um contrato de adaptação para o cinema. Ela ligou para o produtor Rodrigo Teixeira, um dos expoentes do cinema nacional,conhecido por seu grande interesse em adaptar livros para as telas, e disse que tinha uma obra especial para ele avaliar. Rodrigo leu, se interessou e a adaptação já está em desenvolvimento, com direção de Karim Aïnouz ("Praia do Futuro") e filmagens previstas para o início de 2017.
"O livro me interessou porque é muito próximo a situações que eu conheço", conta o produtor. Com a trama estendendo-se dos anos 1940 ao início dos anos 1960, "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" narra as histórias de duas irmãs de classe média no Rio de Janeiro, Eurídice e Guida, em meio às condições adversas que a sociedade reservava às mulheres na época.
"Eu vi mulheres muito parecidas com elas. Tias, avós, pessoas próximas à minha mãe, que tiveram realidades similares ao que essas mulheres viveram", completa Rodrigo. Sobre a escolha de Karim, ele diz que, assim como ele próprio, o cineasta viveu em uma família de mulheres e se "sensibiliza mais com esse tema da condição da mulher". "Foi uma coincidência até trágica, porque a mãe dele vinha de uma fase muito doente, ele leu esse livro, se apaixonou por ele, e a mãe dele morreu logo depois", conta.
Reviravoltas
Em meio às reviravoltas, o livro acabou também mudando de mãos no Brasil. "A editora que estava trabalhando comigo [na Companhia Editora Nacional] foi demitida, também por causa da crise. Aí eu conversei com a Luciana e disse que não tinha segurança para continuar lá", conta Martha.
A esta altura, a carreira internacional do livro já havia chamado a atenção da Companhia das Letras. "Eu me interessei ouvindo o resumo entusiasmado da Luciana Villas-Boas, e especialmente pela temática feminista", conta Sofia Mariutti, editora do livro na Companhia das Letras. "Acho que o livro chama a atenção por ter uma estrutura tão sólida, e também por trazer algumas curiosidades e reconstruir a história do Brasil do fim do século 19 e do começo do 20", acredita.
Para Martha, este também foi um dos motivos que fez com que tantas editoras internacionais se interessassem por seu trabalho. "Quando eu procurei a Luciana para me representar, disse que queria muito ser lida no Brasil. E a maior das ironias foi que eu fiz uma história que é absolutamente local, e que está fascinando os editores estrangeiros. Acho que justamente porque eles têm muita curiosidade de saber como é o local no Brasil, como é o dia a dia aqui", acredita a escritora. "Mas em momento nenhum escrevi essa história pensando no público estrangeiro".
Jorge Luna/Divulgação
Feminismo
Além do retrato de um Rio de Janeiro de outra época, uma das características mais marcantes do livro de Martha é um sutil ponto de vista feminista, que desde as primeiras páginas aponta com ironia e humor como a mulher era (e continua sendo) submetida a condições absurdas, independentemente da situação econômica.
"Eu sou uma pessoa muito indignada com todas as injustiças --do Brasil, do dia a dia, de classe social, de tudo. Quando fui escrever, entendi que tinha que escrever sobre as injustiças que eu mais conhecia, que é essa injustiça que a gente vê acontecer o tempo todo e às vezes nem percebe, essa questão das mulheres. Eu sou uma mulher de classe média, de uma família tradicional do Rio de Janeiro, da Tijuca. Essa é a minha perspectiva, acho que tenho que escrever sobre essas coisas.", explica a autora.
A editora do livro, Sofia Mariutti, também ressalta esta característica da obra. "O livro bateu na porta no momento perfeito, com as narrativas feministas ganhando tanta força no Brasil", diz. "Acho que ainda falta olhar para a nossa história e recriá-la com o olhar das mulheres de hoje. A Martha foi atrás de pesquisar e recriar as histórias das nossas avós. Não eram tantas que escreviam naquela época e que podiam contar sua versão das coisas, então é quase um dever das mulheres de hoje recontar essas histórias".
Segundo Martha, a ideia para o livro, além de inspirada por histórias de sua família, veio de uma hipótese: "Fiquei imaginando o que aconteceria com uma mulher brilhante se ela nascesse nesse tempo e nesse lugar. Na verdade, é algo que aconteceu muito, de você ter mulheres perfeitamente capazes e com energia para produzir e que não puderam se realizar naquela época". É o caso de Eurídice, mulher inteligentíssima confinada em um casamento que não é mau, mas também não lhe permite realizar suas aspirações --sejam elas na cozinha, na costura ou na literatura. 
Essa hipótese levantada por Martha liga "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" a uma linhagem de escritoras que trataram da mesma questão no passado, de Virginia Woolf e Clarice Lispector a, mais recentemente, a italiana Elena Ferrante. Mas essas são apenas algumas das influências de Martha. "O que Virginia Woolf fala sobre as mulheres na literatura [no livro 'Um Teto Todo Seu'] é um clássico. Mas a Elena Ferrante eu li depois que meu livro estava pronto e fiquei impressionada com como as histórias se parecem. Mas como influência, em termos de estilo, acho que tem muito do Gabriel García Marquez, essa coisa de ter muitas histórias para contar. E tem outros autores que me influenciaram muito nos últimos anos, como o Jonathan Franzen --pelo pragmatismo dele de escrever--, a Alice Munro, a Jhumpa Lahiri... A trajetória das duas irmãs no livro tem muito de 'Razão e Sensibilidade', da Jane Austen".
O livro de Martha chega em um momento em que o mercado editorial parece se abrir para tirar a literatura feita por e sobre mulheres do nicho em que a havia colocado, vendendo apenas os autores homens como "universais". Exemplo disso são os dois prêmios Nobel concedidos a mulheres nos últimos três anos --Alice Munro e Svetlana Alexievich. No Brasil, A Flip, principal evento literário do país, terá novamente uma mulher homenageada depois de 11 anos --a poeta Ana Cristina César.
"É uma injustiça danada. Philip Roth é universal, Paul Auster é universal, mas Elena Ferrante escreve para mulher", aponta Martha. "Se você for ver, o número de mulheres que ganharam o prêmio Nobel é mínimo. Acho que o mercado é muito masculino nesse sentido. Mas uma coisa é certa: a maioria dos leitores é mulher, no Brasil e no mundo todo. Acredito que o tempo vai colocar todo mundo no lugar certo. Acho que está mudando".
Sofia Mariutti concorda. "Esse movimento não é organizado, mas é inevitável. As editoras se atentam aos temas que estão movimentando as pessoas, então não dá mais para fugir do feminismo. E o nosso papel nessa hora como mulheres é usar o nosso crivo para filtrar o que tem de bom. Eu tenho lido quase só livros de mulheres, mas isso não quer dizer que só por ser mulher ou ter mulher como protagonista vai ser publicada, precisa ter excelência", opina.
Rodrigo Teixeira também acredita que há espaço para histórias sobre mulheres no cinema, coisa que a indústria americana já explora há algum tempo, com filmes como "As Horas", "Tomates Verdes Fritos", "Thelma & Louise", "Carol" etc. "Tanto tem espaço que esses filmes todos tiveram alguma representatividade no Brasil. Acho que existe uma preguiça muito grande de se apostar em novos gêneros no Brasil, falta investir em outros caminhos, e esse é um caminho que eu acredito. No cinema americano foi um super-sucesso. É só ter coragem de pegar essa história para acontecer", conclui.
Enquanto a adaptação cinematográfica de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" não sai, Martha já está finalizando um segundo livro, que também deve ter uma pitada de feminismo. "São cem anos de uma família que mora em Ipanema, e na verdade é uma metáfora para a classe média brasileira. O livro começa com a construção de um castelo que de fato foi construído em Ipanema em 1904, e o que acontecia nesse castelo", conta. "E também tem uma empregada que tem uma relação interessante com a protagonista. Porque, se você vai escrever literatura e quer que o público brasileiro se identifique, você tem que falar sobre a questão das empregadas domésticas, sobre esse tipo de coisa".