quinta-feira, 24 de julho de 2014

Entre pai e filho


            
Seria um dia só para os homens da família. Um dia onde tomariam sorvete, andariam pela cidade à toa. Visitariam lojas de artigos esportivos e no final da tarde, assistiriam a um jogo de futebol.
            Um dia perfeito!
            Levantaram cedo e saíram para cumprir todo o cronograma elaborado pelo pai. A primeira experiência que teriam juntos. Somente os dois. Pai e filho. Filho e pai. Um dia para conversarem. Para se divertirem. Para realmente se conhecerem. Afinal, a correria do dia a dia não deixava que eles fizessem programas só entre os dois.
            O dia estava correndo perfeitamente bem. Entraram em uma loja de artigos esportivos. O pai estava muito ansioso, queria saber qual dos esportes seu filho mais se identificaria. É claro que o pai tinha suas preferências, mas, procurou observar o filho de longe, deixando caminhar livremente pela loja e conhecer todos os artigos esportivos e , claro, conhecer todos os esportes.
            O menino andou, andou, andou. Andou por entre chuteiras, tênis de futsal, vôlei, basquete, sapatilhas de corrida, luvas de boxe, de goleiro, capacetes, protetores, enfim, o menino andou a loja toda. Conheceu os mais inúmeros esportes e artigos esportivos. Mas, não demonstrou interesse algum, por qualquer que fosse o esporte.
            Vendo a indecisão do filho o pai começou a ficar ansioso, na verdade, desanimado. Ele sempre fora muito ligado a esportes. Jogou futebol na adolescência e ainda, nos dias atuais jogava uma pelada com os amigos, uma vez por semana. Ele queria que seu filho se interessasse por algum esporte. Não precisava ser futebol. Qualquer um servia. Afinal, esporte é saúde. Dedicação. Disciplina...
            Já estava desistindo quando viu um brilho no olhar do filho, seguido de um sorriso. Ele havia encontrado o que procurara o tempo todo. Havia se identificado com um esporte. Orgulhoso o pai foi ao encontro do filho, que entregou-lhe um par de sapatilhas de ballet.
            No caminho da volta para casa não trocaram uma palavra sequer.
            Mas o pai percebeu toda a satisfação do filho pelo presente que ganhara. Não era o que ele esperava, mas, sentia-se feliz também.
            Há, eles não passaram no estádio para assistir ao jogo de futebol, ia ficar tarde para a apresentação do ballet,  à noite, no Teatro Municipal.

Marc Souza

           
 

sábado, 19 de julho de 2014

UM DIA QUALQUER


UM DIA QUALQUER

 O que você faria se soubesse o seu futuro?
O que você faria se, ao se levantar de manhã para o trabalho já soubesse tudo o que fosse lhe ocorrer?
As coisas boas e as ruins.
Confesso que eu não saberia o que fazer.
Talvez, procuraria manter ou mudar meus atos; dependendo do que pudesse acontecer eu tentaria mudar os fatos, procuraria melhorar, pensar melhor. Tentaria enganar o destino.
Talvez!
Mas, sinceramente? Não tenho certeza.
Muitos dizem que, quando algo vai nos acontecer, seja de bom ou ruim, sentimos. Nosso corpo ou nossa mente, nem se for por um segundo, sente. E quando o imprevisível acontece sentimos que já sabíamos que aquilo poderia acontecer.
Mas, naquele dia eu nada senti. Era um dia normal. Como todos os dias, levantei cedo, tomei meu banho e saí para o trabalho.
Nenhum sentimento. Nenhuma premunição. Nada. Nada que pudesse me preparar para o que estava por vir.
Mesmo agora me pergunto: se eu, por um acaso soubesse o que estava por vir, o que eu faria? Tentaria mudar os fatos? Ou deixaria o destino agir com sua lógica, ilógica. Com seus caminhos estranhos, que no final, nos levam para um só lugar.
Se eu soubesse o que estava por vir, eu mudaria meus atos para com meus amigos? Meus conhecidos? Minha família? Eu procuraria ser uma pessoa melhor?
Não sei.
Mesmo depois de tudo o que aconteceu eu, eu ainda não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Não sei o que fazer, ou, no meu caso, não sei o que faria.
Naquele dia tudo ocorreu como sempre.
Trabalho. Almoço. Trabalho. Lanche da tarde. Trabalho.
Nenhum pensamento. Nenhum sentimento. Nenhum pressentimento.
Mas, algo estava por vir. Algo que mudaria a minha vida e a de meus amigos e familiares para sempre.
E eu... Eu sequer imaginava que fosse acontecer.
Saí do trabalho no mesmo horário de sempre. Tomei o mesmo ônibus, lotado como sempre, com as pessoas de sempre. Você pode não acreditar, mas, depois de anos fazendo todos os dias as mesmas coisas, tomando sempre o mesmo ônibus, no mesmo horário, eu reconhecia cada um daqueles rostos. Apesar de nunca ter trocado qualquer palavra com quem quer que fosse. Pelos olhares, conhecia cada um. E imaginava as suas histórias. Percebia seus medos, seus anseios. E muitas vezes imaginava quais seriam seus sonhos.
Aquele era um dia qualquer. Um dia como qualquer outro que eu vivera até então.
Ledo engano.
Desci do ônibus e como sempre, passei na mercearia, comprei um refrigerante gelado para o jantar e sai andando pela rua movimentada. Àquela hora as pessoas como eu, estavam voltando para casa do trabalho. As crianças andavam de bicicleta e corriam pela rua de terra batida. Brincavam felizes. Muitos adultos estavam nos barzinhos tomando cervejas, jogando sinuca ou jogando conversa fora. Tudo dentro da normalidade.
Muitas vezes uma atitude faz com que o futuro, o seu futuro, seja mudado. Para o bem. Para o mal.  Uma parada em um local qualquer. Uma saída atrasada, ou adiantada. Até o fato de almoçar ou não pode trazer sérias conseqüências.
Após a parada na mercearia comecei a subir o morro.
De repente tiros.
As pessoas começaram a correr de um lado para o outro. Começaram a procurar abrigo contra as balas, que passavam vindas de todos os lados. Balas que cortavam o ar acertando as paredes dos barracos, suas janelas seus tetos, balas que não tinham endereço próprio.
Que vida!
Quase todos os dias era a mesma coisa. Não importava o sofrimento. Não importava o que passávamos no trabalho. Na volta era a mesma coisa. A briga entre o bem e o mal, se é que essa briga realmente existe. Até por que, no meio dela estávamos nós. Trabalhadores honestos, cansados após um dia estafante. Pais de família, estudantes, crianças. Todos nós estávamos ali, cada um tentando se salvar. Salvar a própria pele. Livrar-se da morte iminente.
Aquele era um dia qualquer, quantos destes eu tivera. Quantas vezes passei a noite na rua sem poder voltar para casa por causa desta luta a qual eu nunca fizera parte.
Mas, naquele dia, tudo mudou. A minha vida. A vida dos meus familiares mudou sem avisar. Sem pressentimentos ou sonhos.
Aquele dia, não era um dia comum. Não era um dia qualquer. Era o dia da mudança, da transformação.
Escondido entre os barracos se protegendo das balas que insistiam em cruzar o ar em busca de um destino, ouvi um barulho, um grito de terror. Procurei ver o que estava acontecendo, foi quando percebi que o grito estava sendo direcionado a mim.
“O que eu fiz?” – pensei – “O que está acontecendo?”
Então percebi que a minha camisa estava molhada, mas, não era água. Era um líquido quente vermelho vivo, que insistia a sair de mim. Rapidamente meu corpo foi enfraquecendo, minha visão foi escurecendo. De repente eu já não ouvia os gritos de desespero da mulher. De repente, nada mais ouvi ou senti e tudo, tudo se transformou em nada.
Para mim era um dia comum. Um dia como qualquer outro. Um dia em que vivi. Trabalhei. Diverti-me.  
E mesmo agora, depois de tudo o que aconteceu ainda não sei dizer, que, seu eu soubesse seu desfecho faria diferente.

Por que aquele foi um dia comum. Um dia que jamais esqueci. Aquele foi meu ultimo dia, foi o dia em que morri.

                                                                 Marc Souza

segunda-feira, 14 de julho de 2014

DETALHE


Ele passou o dia todo procurando emprego, mas, em vão.
Andou, andou, andou e nada. Sem emprego. Uma proposta sequer. Mais um dia em vão. Mais um dia sem conseguir aquilo que mais desejava naquele momento: Um emprego.
Era só isso que desejava: Um emprego.
Havia muito meses não encontrava um “bico” sequer.
O dinheiro estava acabando. Não só o dinheiro, indispensável para a sua sobrevivência, mas a esperança também estava se esvaindo. Estava triste e desanimado, mas, procurava não desistir. Estava difícil, mas, não podia desistir.
Ele tinha que continuar, e acreditar, que logo as coisas iriam melhorar. Logo estaria empregado e feliz novamente.
Cansado pelo dia estafante ele resolveu sentar-se no banco da praça. As pessoas iam e viam, passavam pela sua frente, mas, ele estava tão absorto em seus pensamentos, que não via nada. Somente vultos que transitavam à sua frente. Pessoas sem rostos e sem histórias. Pessoas como ele, invisíveis ao sistema. Um sistema falido, que o considerava, apesar da pouca idade, quase um inválido.
A desculpa era sempre a mesma: Quando ele tinha experiência no trabalho, estava muito velho. Quando não conhecia o trabalho ele não tinha a experiência que a empresa esperava.
Era isso que estava vivendo. Uma vida de insegurança e medo. Uma vida de sentimentos diversos. Decepção. Desânimo. Medo.
Sentado naquele banco alheio ao que estava acontecendo, à sua volta, deixou-se abater. De repente não tinha mais forças para sair dali. De repente não queria mais sair dali. Estava totalmente entregue.
As horas foram passando e ele foi ficando. Ficando. Imóvel. A noite estava caindo e ele ali. Olhando para o nada.
Com a noite os personagens da praça foram mudando. Logo uma mulher, com trajes mínimos pára à sua frente.
- Olá bonitão – diz ela se oferecendo a ele, que, a ignora – Bonitão – ela não desiste – Bonitão, estou falando com você.
- Oi – responde educadamente, mas sem prestar muito atenção a ela.
- Você, não esta interessado? – continua ela mostrando-lhe o corpão.
- Interessado? – pergunta totalmente desinteressado.
- Você não esta interessado em se divertir um pouco. Fazer um programinha.
- Fazer um programa?
- Isso mesmo, meu lindo – diz ela sentando-se ao seu lado.
Ele olha para ela, pega a carteira e conta o dinheiro que tem. Pensa um pouco, então decide:
- Acho que sim – responde ele.
- Acha, ou tem certeza? – ela pergunta fazendo carinho nele.
- Vamos lá - diz ele já se levantando abraçado a ela – Mas eu tenho que te dizer algo.
- O que quiser meu lindo! Você pode dizer o que quiser, paixão
- Cobro cem reais!


Marc Souza

sábado, 12 de julho de 2014

CONVERSA MÉDICA

            
CONVERSA MÉDICA

Em um consultório médico.
            - Então doutor, o senhor... O senhor tem certeza? – pergunta ela.
            - Absoluta! Certeza absoluta! – responde o médico.
            - E o que eu preciso fazer para... O senhor sabe...
            De repente ela se sente totalmente perdida, cheia de duvidas. Afinal, nunca esperou viver tal situação.
            - Primeiramente, repouso. Muito repouso. Uma boa alimentação. E claro, evitar qualquer tipo de esforço. Ah! Outra coisa, o acompanhamento médico é fundamental.
            - E remédios? Quais remédios devo tomar?
            - Remédios? – começa a pensar – Remédios? Tem algo que você pode tomar, mas, vou ser sincero, esses remédios só vão amenizar os sintomas. Infelizmente qualquer remédio que eu lhe receitar de nada vai adiantar. Os sintomas vão continuar, eles podem diminuir a intensidade, mas, vão continuar. Nenhum remédio vai cortar os sintomas por completo. Nenhum.
            - Entendo.
            - Vou receitar alguma coisa para você, para amenizar um pouco o que você vai sentir neste tempo. Mas o importante é que você se alimente bem, e repouse. Repouse muito, ok?
            - Sim! Sim senhor! Mas doutor?
            - Pois não!
            - Quanto... Quanto tempo?
            - Como?
            - Doutor, quanto tempo tenho? Quero dizer, quanto tempo falta?
            - Sete meses!
            - Sete meses?
            - Exatamente, dentro de sete meses, você será uma linda. Uma linda mamãe. Parabéns!


Marc Souza

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A DECLARAÇÃO


A DECLARAÇÃO

Naquele dia, entrou no ônibus decidido; Iria se declarar a ela. Dizer que a amava. Que ela era o grande amor de sua vida. Há dias pensava nisso e naquele momento havia tomado a grande decisão. Não mais esconderia seus sentimentos. Não mais.
Ele a amava desde o primeiro dia que a vira entrar naquele ônibus lotado. De repente, na confusão de pessoas que procuravam se acomodar dentro do ônibus lotado ela surgiu. Linda. Radiante. De uma hora para outra tudo se transformou. Não havia mais caos. Não havia mais desconforto. De uma hora para outra o sofrimento, a dificuldade daquela situação transformou-se em prazer. Prazer em vê-la mesmo que a distância. Seus olhos. Seus cabelos. Seu jeito meigo de ser. De repente se viu apaixonado. Perdidamente apaixonado por aquela garota.
A partir daquele dia ele não via a hora de tomar o ônibus de manhã. Apesar do sofrimento que era enfrentá-lo naquele horário, horário em que todos iam para o trabalho. Queria vê-la. Nem se fosse de longe. Ele fazia de tudo para ficar próximo a ela. Algumas vezes, quando tinha lugar para ele sentar, logo que ela entrava no ônibus usava de seu cavalheirismo passando-lhe o lugar. Quando não, fingia dormir para que ninguém sentasse ao seu lado na poltrona até ela chegar.
E trocavam olhares. Trocavam sorrisos. Mas nunca, nunca conversaram. Nunca trocaram uma palavra sequer. Até aquele dia. Aquele fatídico dia.
Na noite anterior ele ensaiara todos os passos que daria na manhã seguinte. A forma de se comportar. As palavras a dizer. Ficou horas e horas na frente do espelho. De manhã, tomou um banho. Passou sua melhor colônia e saiu. Decidido. Iria definitivamente entregar-se a seu grande amor.
O ônibus estava praticamente vazio quando entrou. “Um sinal” – pensou - “Um bom sinal”. Encontrou uma poltrona vazia e sentou-se. Para que ninguém sentasse ao seu lado fingiu dormir. Vez ou outra abria os olhos discretamente observando a movimentação dos passageiros, mas, mais uma vez tudo ocorreu bem. Tudo estava contribuindo para que ele naquela manhã se entregasse ao amor. E declarasse de uma vez todo o amor que sentia por ela.
Mais uma parada e lá vem ela. Bela. Iluminando todo o local. Trazendo luz às trevas do seu coração. Trazendo o cantar dos pássaros ao silêncio da sua vida. Ele fica nervoso. Tenso. Ansioso. De repente seu coração começa a bater forte. A respiração esta ofegante, mas ele luta contra a ansiedade com todas as suas forças. Então se levanta e oferece um lugar ao seu lado. Ela lhe sorri e senta-se.
“Agora é a hora” – pensa – “Tudo esta saindo como planejado” “É um sinal”.
Estão lado a lado. Ele tenta conter a ansiedade antes de puxar conversa com ela, afinal não quer passar vergonha na frente da pessoa amada. Tenta controlar a respiração, abaixar os batimentos cardíacos. Afinal parece que o seu coração vai sair pela boca.
Trocam olhares. Sorrisos.
“É hoje.” “Tem que ser”. “Meu Deus! Como ela é linda!”. “Linda!”.
Ela olha para ele e sorri. Um sorriso que o deixa hipnotizado. Paralisado. “Ela me ama, vejo em seus olhos”. “Seu sorriso”. “Seu olhar”. “É agora, tem que ser”.
Encorajado com a situação, ele a olha ternamente. Um olhar de pessoa apaixonada. Então, antes de se declarar:
- Moço!? – começa ela - O senhor... Desculpe, mas... O senhor esta com uma caquinha no nariz. Bem aqui ó... – completa fazendo um sinal.
Foi um banho de água fria. A vergonha tomou conta dele, que, limpando o nariz rapidamente levantou-se e saiu, em silêncio. Logo no primeiro ponto que o ônibus parou, ele desceu, e nem olhou para traz.


Marc Souz (escritor)

Este conto está no meu livro casos Acasos e DEScasos à venda na Aped Editora Aped no link:
http://www.apededitora.com.br/livraria-virtual/
Seção entretenimento
Ou no email: marcsouz@yahoo.com.br