UM DIA QUALQUER
O que você faria
se soubesse o seu futuro?
O
que você faria se, ao se levantar de manhã para o trabalho já soubesse tudo o
que fosse lhe ocorrer?
As
coisas boas e as ruins.
Confesso
que eu não saberia o que fazer.
Talvez,
procuraria manter ou mudar meus atos; dependendo do que pudesse acontecer eu tentaria
mudar os fatos, procuraria melhorar, pensar melhor. Tentaria enganar o destino.
Talvez!
Mas,
sinceramente? Não tenho certeza.
Muitos
dizem que, quando algo vai nos acontecer, seja de bom ou ruim, sentimos. Nosso
corpo ou nossa mente, nem se for por um segundo, sente. E quando o imprevisível
acontece sentimos que já sabíamos que aquilo poderia acontecer.
Mas,
naquele dia eu nada senti. Era um dia normal. Como todos os dias, levantei
cedo, tomei meu banho e saí para o trabalho.
Nenhum
sentimento. Nenhuma premunição. Nada. Nada que pudesse me preparar para o que
estava por vir.
Mesmo
agora me pergunto: se eu, por um acaso soubesse o que estava por vir, o que eu
faria? Tentaria mudar os fatos? Ou deixaria o destino agir com sua lógica,
ilógica. Com seus caminhos estranhos, que no final, nos levam para um só lugar.
Se
eu soubesse o que estava por vir, eu mudaria meus atos para com meus amigos?
Meus conhecidos? Minha família? Eu procuraria ser uma pessoa melhor?
Não
sei.
Mesmo
depois de tudo o que aconteceu eu, eu ainda não sei o que dizer. Não sei o que
pensar. Não sei o que fazer, ou, no meu caso, não sei o que faria.
Naquele
dia tudo ocorreu como sempre.
Trabalho.
Almoço. Trabalho. Lanche da tarde. Trabalho.
Nenhum
pensamento. Nenhum sentimento. Nenhum pressentimento.
Mas,
algo estava por vir. Algo que mudaria a minha vida e a de meus amigos e
familiares para sempre.
E
eu... Eu sequer imaginava que fosse acontecer.
Saí
do trabalho no mesmo horário de sempre. Tomei o mesmo ônibus, lotado como
sempre, com as pessoas de sempre. Você pode não acreditar, mas, depois de anos
fazendo todos os dias as mesmas coisas, tomando sempre o mesmo ônibus, no mesmo
horário, eu reconhecia cada um daqueles rostos. Apesar de nunca ter trocado
qualquer palavra com quem quer que fosse. Pelos olhares, conhecia cada um. E
imaginava as suas histórias. Percebia seus medos, seus anseios. E muitas vezes
imaginava quais seriam seus sonhos.
Aquele
era um dia qualquer. Um dia como qualquer outro que eu vivera até então.
Ledo
engano.
Desci
do ônibus e como sempre, passei na mercearia, comprei um refrigerante gelado
para o jantar e sai andando pela rua movimentada. Àquela hora as pessoas como
eu, estavam voltando para casa do trabalho. As crianças andavam de bicicleta e
corriam pela rua de terra batida. Brincavam felizes. Muitos adultos estavam nos
barzinhos tomando cervejas, jogando sinuca ou jogando conversa fora. Tudo dentro
da normalidade.
Muitas
vezes uma atitude faz com que o futuro, o seu futuro, seja mudado. Para o bem.
Para o mal. Uma parada em um local
qualquer. Uma saída atrasada, ou adiantada. Até o fato de almoçar ou não pode
trazer sérias conseqüências.
Após
a parada na mercearia comecei a subir o morro.
De
repente tiros.
As
pessoas começaram a correr de um lado para o outro. Começaram a procurar abrigo
contra as balas, que passavam vindas de todos os lados. Balas que cortavam o ar
acertando as paredes dos barracos, suas janelas seus tetos, balas que não
tinham endereço próprio.
Que
vida!
Quase
todos os dias era a mesma coisa. Não importava o sofrimento. Não importava o
que passávamos no trabalho. Na volta era a mesma coisa. A briga entre o bem e o
mal, se é que essa briga realmente existe. Até por que, no meio dela estávamos
nós. Trabalhadores honestos, cansados após um dia estafante. Pais de família,
estudantes, crianças. Todos nós estávamos ali, cada um tentando se salvar.
Salvar a própria pele. Livrar-se da morte iminente.
Aquele
era um dia qualquer, quantos destes eu tivera. Quantas vezes passei a noite na
rua sem poder voltar para casa por causa desta luta a qual eu nunca fizera
parte.
Mas,
naquele dia, tudo mudou. A minha vida. A vida dos meus familiares mudou sem
avisar. Sem pressentimentos ou sonhos.
Aquele
dia, não era um dia comum. Não era um dia qualquer. Era o dia da mudança, da
transformação.
Escondido
entre os barracos se protegendo das balas que insistiam em cruzar o ar em busca
de um destino, ouvi um barulho, um grito de terror. Procurei ver o que estava
acontecendo, foi quando percebi que o grito estava sendo direcionado a mim.
“O
que eu fiz?” – pensei – “O que está acontecendo?”
Então
percebi que a minha camisa estava molhada, mas, não era água. Era um líquido
quente vermelho vivo, que insistia a sair de mim. Rapidamente meu corpo foi
enfraquecendo, minha visão foi escurecendo. De repente eu já não ouvia os
gritos de desespero da mulher. De repente, nada mais ouvi ou senti e tudo, tudo
se transformou em nada.
Para
mim era um dia comum. Um dia como qualquer outro. Um dia em que vivi.
Trabalhei. Diverti-me.
E
mesmo agora, depois de tudo o que aconteceu ainda não sei dizer, que, seu eu
soubesse seu desfecho faria diferente.
Por
que aquele foi um dia comum. Um dia que jamais esqueci. Aquele foi meu ultimo
dia, foi o dia em que morri.
Marc Souza